terça-feira, 19 de outubro de 2010

Saravá... Vinicius!...

Esta pretende ser uma pequena mas justíssima homenagem ao grande vulto da literatura e cultura brasileira que, se fosse vivo, completaria hoje 97 anos de idade.

Vinicius de Moraes, diplomata, jornalista, crítico de cinema e dramaturgo, o poetinha (como ficou conhecido), foi acima de tudo um grande poeta e compositor.

Nome incontornável da cultura e da música popular brasileira, Vinicius ficará para todo o sempre na nossa memória e nos nossos corações através da vastíssima obra que nos legou.

Melhor do que colocar aqui a sua biografia, será
recordá-lo através de alguns excertos da sua obra de escritor, poeta e compositor musical.

Soneto da Separação

De repente do riso fêz-se o pranto

silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fêz-se espuma
E das mãos espalmadas fêz-se o espanto.


De repente da calma fêz-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fêz-se o pressentimento
E do momento imóvel fêz-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fêz-se de triste o que se fêz amante
E de sozinho o que se fêz contente.

Fêz-se do amigo próximo o distante
Fêz-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Poética

Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia

E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.

Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo.
(Um templo sem Deus.)

Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
.... Entrai, irmãos meus!


Procura-se um amigo

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

A Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas

Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada

Namorados do Mirante

Eles eram mais antigos que o silêncio
A perscrutar-se intimamente os sonhos
Tal como duas súbitas estátuas
Em que apenas o olhar restasse humano.

Qualquer toque, por certo, desfaria
Os seus corpos sem tempo em pura cinza.

A Remontavam às origens — a realidade
Neles se fez, de substância, imagem.

Dela a face era fria, a que o desejo
Como um hictus, houvesse adormecido

Dele apenas restava o eterno grito
Da espécie — tudo mais tinha morrido.
Caíam lentamente na voragem
Como duas estrelas que gravitam

Juntas para, depois, num grande abraço
Rolarem pelo espaço e se perderem
Transformadas na magma incandescente
Que milénios mais tarde explode em amor
E da matéria reproduz o tempo
Nas galáxias da vida no infinito.
Eles eram mais antigos que o silêncio...

Separação

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo. Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.

Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória. Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.

Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de seccionar aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.

Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela. Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias - um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.

De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...







20 comentários:

  1. qué buena biografía y justo homenaje, es importante difundir a quienes marcaron con calidad la vida y la literatura.. saludos Daniel

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  2. Ke linda homenagem meus amigos.
    Nós brasileiros,agradecemos de coração...Beijos na alma!!M@ria

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  3. Certos gestos,parecem sinais guiando-nos pelo caminho;
    Certos detalhes nos dão certeza de que existem pessoas especiais,
    Assim como você que deixarão belas lembranças para todo o sempre:

    Vinicius de Moraes

    Obrigada por voce existir!Amo sua amizade...M@ria

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  4. "Dai-me Senhor:
    a perseverança das ondas do mar,
    que fazem de cada recuo um ponto
    de partida para um novo avanço."

    (Cecília Meireles)


    Belo amanhecer e beijos meus! M@ria

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  5. TÉTIS....

    MARAVILHOSA POSTAGEM!!REALMENTE, VINÍCIUS É UM GRANDE E ETERNO ÍCONE PARA OS AMANTES DA POESIA...UM GRANDE SONETISTA, DE ESTILO ÍMPAR E GENIAL!

    LINDA POSTAGEM!!BELOS VERSOS!

    UM GRANDE BEIJO A TODOS AMIGOS!!

    REGGINA MOON

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  6. Tétis,
    Gosto muito quando vens e sabes disso.
    Não sei NÃO dizer o que sinto por isso, sabes que tenho um carinho enorme, por ti, Argos e Poséidon.
    E vendo meu poeta favorito exposto aqui, é lágrimas nos olhos.
    Gosto tanto de seus poemas.
    Obrigada pelo o carinho minha querida muito querida.

    Beijo.
    Fernanda.

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  7. Argos,
    Obrigada querido .
    Assim iremos longe.
    Beijo.

    Fernanda.

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  8. Obrigada pela visita

    A vida e o tempo são grandes companheiros .
    devemos estar atentos...

    Tenho o meu blog com um tipinic e não sei como o tirar... Que fazer?

    Aguardo ajuda...
    beijos

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  9. Muito bem! Ainda passa pela minha memória as vezes que vi Vinicius, juntamente com Toquinho cantar nas telas da Televisão, e sem falar nas parcerias com Tom Jobim. Parabéns pela beleza deste blog. E obrigado pelo comentário sobre o meu soneto publicado em meu blog.
    Beijos!...

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  10. Obrigada e seja sempre muito bem vinda em meu cantinho romântico.
    Beijosss

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  11. Maravilloso¡¡ y merecido homenaje a este gran artista del verso.
    Siento mis ausencias, he estado un poquito malita.
    Mis abrazos grandes para los tres.
    Besitos de paz y amor fraterno.
    Carmendy

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  12. Mi linda amiga Tétis,

    Vinicius de Moraes llego a Francia en 1953 “comme second secrétaire d'ambassade »

    Et il fut d'ailleurs également consul du bresil au Havre en France.

    -----------------------------

    Recette de femme, poème de Vinicius de Moraes (en français

    Recette de femme

    Que les très laides me pardonnent mais la beauté est fondamentale. Il faut dans tout cela qu'il y ait quelque chose d'une fleur, quelque chose d'une danse, quelque chose de haute couture dans tout cela (ou alors
    Que la femme se socialise élégamment en bleu comme dans la République Populaire Chinoise).
    Il n'y a pas de moyen terme. Il faut que tout soit beau. Il faut que, tout à coup on ait l'impression de voir une aigrette à peine posée, et qu'un visage acquière de temps en temps cette couleur que l'on ne rencontre qu'à la troisième minute de l'aurore.
    Il faut que tout cela soit sans être, mais que cela se reflète et s'épanouisse dans le regard des hommes. Il faut, il faut absolument que tout soit beau et inespéré. Il faut que des paupières closes rappellent un vers d'Eluard, et que l'on caresse sur des bras quelque chose au delà de la chair : et qu'au toucher ils soient comme l'ambre d'un crépuscule. Ah, laissez-moi vous dire qu'il faut que la femme qui est là, comme la corolle devant l'oiseau soit belle, ou qu'elle ait au moins un visage qui rappelle un temple ; et qu'elle soit légère comme un reste de nuage : mais que ce soit un nuage avec des yeux et des fesses. Les fesses c'est très important. Les yeux, inutile d'en parler, qu'ils regardent avec une certaine malice innocente. Une bouche fraîche (jamais humide), mobile, éveillée, et aussi d'une extrême pertinence. Il faut que les extrémités soient maigres, que certains os pointent, surtout la rotule, en croisant les jambes et les pointes pelviennes lors de l'enlacement d'une taille mobile. Très grave toutefois est le problème des salières : une femme sans salières est comme une rivière sans ponts. Il est indispensable qu'il y ait une hypothèse de petit ventre, et qu'ensuite la femme s'élève en calice et que ses seins soient une expression gréco-romaine, plus que gothique ou baroque et qu'ils puissent illuminer l'obscurité avec une force d'au-moins 5 bougies. Il faut absolument que le crâne et la colonne vertébrale soient légèrement visibles et qu'il existe une grande étendue dorsale...

    Vinicius de Moraes


    Bisous et merci pour être mon amie

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  13. Quando você não aparece
    o dia não acontece
    pássaros ficam mudos
    barcos se perdem,
    e as ondas vão para alto mar
    a procura do vento...

    £UNA

    Amor & Paz no seu dia!Beijos meus! M@ria

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  14. Tétis, querida amiga
    Começo por agradecer o teu comentário no "LÍRIOS", de que gostei imenso.
    Obrigada.

    A tua homangem, tão merecida, a Vinicius de Morais está magnífica.
    Algumas partes eu já conhecia (e quem é que não conhece?), como, por exemplo, "Procura-se um amigo" ou "Rosa de Hiroshima"
    Não conhecia, por exemplo, "Separação", que adorei ler.

    Parabéns, é um post nota mil!

    Até sempre. Beijinhos

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  15. Hola querido amigo, es un homenaje sentido y para mi desconocido.

    soy una ignorante...

    está claro...

    Vinicius.... bueno leeré algo mas.. pues parece muy interesante y muy comprometido socialmente, como la mayoría de los nuestros grandes... al estilo de Lorca..

    Lástima que no se pueda escuchar la música, ni en el de casa, ni en el del trabajo.

    Tetis... un besazo querida amiga..

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  16. Olá amiga Tétis

    Gostei deste post, foi gratificante passar uns momentos com Vinicius e aprender algo mais sobre esse grande poeta!

    Muito obrigado e um abraço grande

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  17. Olá Tétis,
    Vinicius pertence ao raro grupo dos Homens completíssimos na sua abrangência de interesses e actividades e, que por isso ficarão não só na História, como no nosso imaginário.
    Belissimo trabalho, este, (aliás, como já é hábito!) que nos recordou todo o seu percurso de vida.
    Obrigada e beijinho grande.

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  18. Gracias por darme la oporunidad de unirme públicamente al homenaje a Vinícius.
    Bicos.

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  19. Obrigada a todos os amigos que se uniram nesta pequena homenagem a Vinicius de Moraes.

    Beijinhos

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