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sexta-feira, 15 de abril de 2022

Morreu Eunice Muñoz, a grande dama do teatro português

 

“Não podia ser outra coisa, só podia ser atriz”, disse Eunice Muñoz quando celebrou os 70 anos de carreira, em 2011. A atriz morreu hoje aos 93 anos e ficará para sempre na história do teatro.

A atriz Eunice Muñoz morreu hoje, no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, aos 93 anos.

A atriz, considerada a "dama do teatro português", tinha, nos últimos meses, dividido o palco com a sua neta, Lídia Muñoz, na peça "A Margem do Tempo". Ao longo de 2021, contracenaram em diferentes palcos do país, numa digressão que culminou no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, em 28 de novembro, exatamente 80 anos após a sua estreia nesse mesmo teatro. 

No final dessa sessão, a que assistiram o primeiro-ministro, António Costa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, e a ministra da Cultura, Graça Fonseca, foi prestada uma homenagem à atriz.

“Este teatro foi a minha casa durante muito anos, fui feliz no palco, em tudo o que cá fiz”, afirmou então Eunice Muñoz.

“Agradeço sobretudo a vocês, ao público, que me acarinhou, que me aplaudiu desde que comecei, até agora que comemoro os meus 80 anos de carreira”, salientou.

“O teatro precisa de nós, de nós no palco e de vocês que recebem o melhor que temos para dar”, acrescentou ainda Eunice Muñoz, concluindo que, “apesar dos dias estranhos e difíceis, o belo continua a existir”.

DO TEATRO À TELEVISÃO, A CARREIRA DA ATRIZ

“Vendaval”, de Virgínia Vitorino, foi a peça com que Eunice Muñoz iniciou a carreira, aos 13 anos, na então Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. O seu talento foi rapidamente reconhecido tendo entrado, pouco depois, para o grupo que então detinha a residência no Teatro Nacional.

Nascida a 30 de julho de 1928, na Amareleja, localidade do concelho de Moura, numa

família de atores, Eunice Muñoz recordava  "a avó, que nunca saiu do Alentejo, mas era uma excelente atriz, e que [lhe] lia textos, quando criança de colo”, disse, em entrevista à agência Lusa.

"Não podia ser outra coisa, só podia ser atriz", frisou Eunice Muñoz quando celebrou os 70 anos de carreira, em 2011. Ao longo da carreira, a atriz apenas abandonou o teatro, “um grande amor" na sua vida, entre os 23 e os 27 anos, para ser secretária de uma empresa onde o seu primeiro marido trabalhava.

Filha e neta de atores de teatro e de artistas de circo, ao longo da carreira Eunice Muñoz entrou em perto de duas centenas de peças, trabalhou com cerca de uma centena de companhias, segundo a base de dados do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e, no cinema e na televisão, o seu nome está associado a mais de oito dezenas de produções de ficção, entre filmes, telenovelas e programas de comédia.

Os grandes atores da época, como Raul de Carvalho ou João Villaret reconheceram-lhe o talento, tal como Amélia Rey Colaço ou Palmira Bastos com quem, em 1943, contracenou, também no D. Maria II, em “Riquezas da sua avó”.

Um ano mais tarde, aos 16 anos, integrou o elenco de “Labirinto”, de Manuel Pressler, e ainda no verão de 1944 interpretou a primeira opereta – “João Ratão” –, ao lado de Estêvão Amarante.

Maria Lalande e Irene Isidro foram atrizes com quem trabalhou e ao lado das quais obteve sucesso. Foi ainda dirigida por Maria Matos, em “A Portuguesa”, de Carlos Vale.

Eunice Muñoz ingressou cedo no Conservatório Nacional de onde saiu com 18 anos e uma média final de 18 valores.

A popularidade pode, porém, dizer-se que chegou à sua carreira quando, no Teatro Variedades, faz parte do elenco de “Chuva de Filhos”, de Margaret Mayo, ao lado de Vasco Santana e de Mirita Casimiro.

A estreia no cinema aconteceu em 1946 quando, pela mão de Leitão de Barros fez

“Camões”, papel com o qual venceu o prémio do SNI – Serviço Nacional de Informação, para a melhor atriz cinematográfica do ano.

“Um homem do Ribatejo”, de Henrique Campos (1946), e “Os vizinhos do rés-do-chão”, de Alejandro Perla (1947), são as peças que levou ao teatro Variedades.

“Outono em flor”, de Júlio Dantas, em 1948, assinalou o regresso da atriz ao Nacional, onde a seguir desempenhou “Espada de Fogo”, de Carlos Selvagem, numa encenação de Palmira Bastos, que se revelou um êxito.

“A Morgadinha dos Canaviais”, de Caetano Bonuccio e Amadeu Ferrari, adaptação do romance homónimo de Júlio Dinis, em 1949, marcou o seu regresso ao cinema.

Em 1950 e 1951, duas grandes comédias celebrizadas por Ernst Lubitsch, no cinema, são recriadas com êxito pela atriz: na primeira, “Ninotchka”, de Melchior Lengyel, Eunice Muñoz toma o papel que fora de Greta Garbo, ao lado de Igrejas Caeiro, Maria Matos e Vasco Santana; em “A loja da esquina”, de Edward Percy, em 1951, a atriz integra a Companhia de Teatro Gynásio, dirigida por António Pedro, para reviver em palco os mal entendidos que juntaram James Stewart e Margaret Sullavan na tela.

Eunice Muñoz passou ainda pelo Teatro da Trindade mas retirou-se de cena, já mãe da primeira filha, para um interregno entre os 23 e os 27 anos.

Regressou aos palcos em 1955 para interpretar “Joana d´Arc”, de Jean Anouilh, no Teatro Avenida, que constituiu um grande êxito. Dois anos depois interpretou “A desaparecida”, de Pirandello, e, pouco depois, com Maria Lalande, Isabel de Castro, Maria José, Ruy de Carvalho, Curado Ribeiro e Fernando Gusmão, entrou para o Teatro Nacional Popular, sob a direcção de Francisco Ribeiro (Ribeirinho), de quem assegura guardar “gratas e boas memórias”.

“Noite de Reis”, de Shakespeare, “Um serão nas laranjeiras”, de Júlio Dantas, ou “Pássaros de Asas Cortadas”, de Luiz Francisco Rebello, foram algumas das peças em que foi dirigida por Ribeirinho.

Na década de 1960, entrou na comédia na Companhia de Teatro Alegre, ao Parque

Mayer, juntamente com António Silva e Henrique Santana.

Monumental e Variedades foram teatros onde também representou, após o que, em 1965, fundou, com Raul Solnado, a Companhia Portuguesa de Comediantes, com sede no então recém inaugurado Tetaro Villaret.

Laura Alves, Virgílio Teixeira, Mimi Muñoz – sua mãe - eram atores com quem contracenava ao mesmo tempo que ia pisando palcos de diferentes salas. Em 1970 estreou-se na encenação com “A Voz Humana”, de Jean Cocteau.

Nos anos de 1970 integrou uma nova formação artística, no Teatro S. Luiz, mas a poucas horas da estreia de “A mãe”, de Stanislaw Wiktiewicz, a censura da ditadura proibiu a peça e o então diretor Luiz Francisco Rebello demitiu-se.

Passou então a dedicar-se à divulgação de poetas que ama, regressando ao teatro para interpretar, com Glicínia Quartin, “As criadas”, de Jean Genet, pela mão de Carlos Avilez, no Teatro Experimental de Cascais. Com Avilez fará uma longa digressão por África, regressando aos palcos portugueses apenas em 1978.

Peças de Donald Coburn, John Murray, Bertolt Brecht, Hermann Broch, Athol Fuggard, Eurípedes, e encenadores como João Perry, João Lourenço ou Filipe La Féria, em "Passa por Mim no Rossio" (1992), foram algumas das pessoas com quem trabalhou no teatro.

Os filmes “Manhã Submersa”, de Lauro António (1980), e “Tempos Difíceis”, de João

Botelho (1987), fazem parte do seu currículo.

Em 1991, quando comemorou 50 anos de carreira, Vítor Pavão dos Santos, então diretor do Museu do teatro, organizou uma grande exposição sobre a vida profissional de Eunice Muñoz. Na mesma altura foi condecorada pelo então Presidente da República Mário Soares.

“A Banqueira do Povo”, de Walter Avancini, em 1993, assinalou a sua estreia nas telenovelas.

“Miss Daisy”, encenada por Celso Cleto em 2006, e “O comboio da madrugada”, de Tennessee Williams, dirigida este ano por Carlos Avilez, foram algumas peças que representou nas últimas décadas.

Em 2011, em declarações à Lusa, Eunice Muñoz afirmou que se sentia uma atriz "profundamente roubada", como a geração a que pertenceu, por causa da censura anterior ao 25 de Abril de 1974, pois houve peças proibidas que nunca pôde representar.

Nesse ano a atriz abriu as celebrações dos seus 70 anos de carreira com a peça "O Cerco a Leninegrado", do espanhol José Sanchis Sinisterra, encenada por Celso Cleto, no auditório com o seu nome, em Oeiras, nos arredores de Lisboa.

Na televisão, aceitou o desafio de Nicolau Breyner e participou nas séries cómicas

"Nicolau no país das maravilhas" e "Nico d'Obra". Em 1933 protagonizou “A Banqueira do Povo”, de Walter Avancini, seguindo-se outras telenovelas, entre as quais "Todo o Tempo do Mundo", "Porto dos Milagres", "Olhos de Água", "Sonhos Traídos", "Olhos nos Olhos", "Mar de Paixão". Em 2016 e 2017 fez parte do elenco de “A Impostora”.

Eunice Munõz participou ainda na versão televisiva de "Equador", romance de Miguel Sousa Tavares.

Em 2015, recebeu o Prémio Carreira da Academia Portuguesa de Cinema e o TNDM produziu “74 Eunices - Homenagem a Eunice Muñoz”. A Presidência da República distinguiu-a como Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (1981), com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1991) e com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2011).

De resto, assegurava, ser "uma mulher como as outras": "Mãe de seis filhos, com netos e bisnetos para os quais quer todo o bem", conclui.


Adaptado de: https://mag.sapo.pt/

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Carlos do Carmo, morreu a andorinha e a voz de Lisboa

 


Amanheceu triste o primeiro dia do ano em Portugal, com a morte de Carlos do Carmo, a andorinha e a voz de Lisboa, o fadista do charme e do Bairro da Bica que se despediu dos palcos na data decidida, em Novembro de 2019, com três concertos, salas lotadas em Braga, no Porto e em Lisboa, o público de pé, ovação demorada, e ele de lágrimas no rosto antes sequer de começar a cantar o fado que renovou e espraiou pelo mundo. "A vida correu-me bem", repetiu nas últimas entrevistas.

O filho da fadista Lucília do Carmo e do livreiro Alfredo de Almeida foi internado, com um aneurisma na aorta, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, na última noite de 2020, morrendo na primeira manhã de 2021. Tinha 81 anos, quase 60 de carreira e, entre inúmeras distinções, a única alguma vez atribuída a alguém que não é chefe de Estado - a chave da cidade de Lisboa. Do seu extenso legado, que inclui 300 canções por muitos de muitas gerações sabidas de cor - "Os Putos", "Lisboa, Menina e Moça", "Estrela da tarde", "Um homem na cidade" - , faz parte um álbum de estúdio que também decidiu que seria o derradeiro, mas não póstumo como acabará por ser. "E Ainda" traz dentro poetas como Sophia e Herberto, Pomar e Palma, e está pronto a ser editado. "Carlos do Carmo deu vida às palavras como ninguém. Muitas vezes visionário, nunca abdicou de levar o Fado para outras dimensões, de lhe introduzir novos instrumentos, de evangelizar novos poetas", diz o comunicado da editora Universal.

O Governo decretou um Dia de Luto Nacional para segunda-feira, dia em que se realizam as cerimónias fúnebres - o velório começa às nove horas na Basílica da Estrela e a missa de corpo presente às 14h, não sendo ainda conhecido o cemitério para onde irá - e propôs ao Presidente da República a atribuição da Ordem da Liberdade, a título póstumo. "Por detrás de uma grande figura da cultura estava um grande homem, com uma grande riqueza pessoal, uma sensibilidade e uma intuição e identificação com o povo português que o povo português não esquece", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa numa declaração à RTP.

Carlos do Carmo, cavalheiro e "maluco", amante da palavra, da liberdade e de Judite, a mulher de uma vida inteira, nasceu em Lisboa, em 21 de dezembro de 1939, iniciando a carreira aos 25 anos, até aos 34 em censura. Ao mesmo tempo geria "O Faia", no Bairro Alto, casa de fados da família em que a mãe era diva. O pai, que fizera questão de que o filho estudasse na Suíça, morrera-lhe quatro anos antes. "2021 amanheceu sem charme, triste e mais pobre", lê-se na página de Facebook d"O Faia, amostra do desalento que inesperadamente ensombrou todas as casas idênticas da capital. "Esta era a notícia que não queríamos no começo do novo ano."


Primeiro português a ser distinguido com o Grammy Latino de Carreira, subiu aos palcos do Olympia de Paris, da Ópera de Frankfurt, do Canecão do Rio de Janeiro, do Royal Albert Hall de Londres, e aos palcos de centenas de salas espalhadas por todas cidades do mundo que acolhem as comunidades portuguesas. E cantou com dezenas de fadistas, homens e mulheres, a maioria tratava-o por mestre, mesmo quando na crítica não era manso. "Miúdas a cantar com bateria não é fado, é cabaret", chegou a dizer. Como chegou a mandar calar as palmas do público. O fado exigia-lhe silêncio e respeito. Era também essa dignificação do fado, pela qual lutou incansavelmente depois do 25 de Abril, que os outros procuravam nele. "A parede negra da ausência das pessoas que nos são próximas é coisa muito triste", escreveu Sérgio Godinho, que para ele escreveu "Velho Cantor". Chocado, Camané manteve o tom. "É difícil de lidar, vai ser sempre uma das pessoas mais importantes do fado."

Mas Carlos do Carmo, para quem Ary dos Santos escreveu tantos poemas, não se confinou a cantar. Foi um dos fundadores da Associação Portuguesa dos Amigos do Fado, o principal impulsionador da criação do Museu do Fado, em Lisboa, e embaixador da candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade, finalmente assim classificado pela Unesco em 2011. Ele é "o representante máximo do chamado fado novo", lê-se na Enciclopédia da Música Portuguesa no Século XX, acentuando também a diferença literária. Com ele, "a tónica passa da saudade para a liberdade, e da tristeza passiva para a enérgica vontade ativa". Quando quis descer o pano, escolheu fazê-lo como andorinha. "Vivo a vida como dantes a cantar/ Não tenho menos nem mais do que já tinha".

In: jn.pt/artes/carlos-do-carmo-morreu-a-andorinha-e-a-voz-de-lisboa, 1 Jan.2021

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

José Mário Branco, a morte do poeta da resistência


José Mário Branco (25 de Maio de 1942 - 19 de Novembro de 2019)

A manhã despertou cinzenta e o poeta morreu. José Mário Branco, o músico, o produtor mas essencialmente um grande poeta, um grande escrevedor de canções, partiu e deixou-nos um pouco mais pobres. Toda a sua arte mas também toda a sua insubmissão, toda a sua inquietação, são ingredientes fundamentais para a compreensão de uma boa parte da nossa história contemporânea. Se alguma coisa José Mário Branco foi – e ele foi tantas coisas - , ou seja, se pode ser classificado, é como poeta de uma ideia originária de resistência. José Mário Branco resistiu a Salazar, resistiu às apropriações culturais e políticas da sua obra, resistiu à normalização do regime político, recusou comendas e prebendas, encontrou sempre um átomo de insatisfação social, ao lado dos mais fracos e desprotegidos, dos deserdados do alegado progresso.

A sua luta foi Portugal e os portugueses, a igualdade e a liberdade, a cultura e o conhecimento. E, aí, a sua inteligência artística blindou sempre o que a sua obra tem de intervenção política, protegendo-a da apropriação por sectarismos e fanatismos de ocasião. A forma como abraçou o fado e se transformou no seu melhor produtor, através da influência discreta e sempre de enorme sensibilidade da sua companheira de sempre, Manuela de Freitas, é um exemplo acabado do seu espírito aberto, inquieto e ecuménico (palavra estranha em José Mário Branco mas muito apropriada). José Mário Branco é, por isso, património de todos os que amam a liberdade e sonham com uma sociedade um pouco mais equilibrada, mais digna, mais justa, mais redistributiva. E a sua inquietação, que vem de muito longe, vai perdurar por muitos anos como motor de transformação individual e social. Bem hajas, grande e inolvidável poeta e cantor!


(In: Sábado, Vida, Detalhe, Opinião, 19.11.2019)





terça-feira, 10 de setembro de 2019

Camilo Sesto..


Camilo Blanes Cortés (Alcoy, 16 de septiembre de 1946-Madrid, 8 de septiembre de 2019), más conocido por su nombre artístico Camilo Sesto, fue un cantante, compositor e intérprete español de balada romántica, pop y rock.

Camilo Sesto cantaba éxitos como Algo de Mí, Mendigo de Amor, Ay Ay Roseta, Lanza tu voz o A ti Manuela entre otros. Camilo era invitado en todos los canales españoles en vivo y así empezaba uno de los mitos vivientes de la música latina en el mundo…

domingo, 4 de agosto de 2019

Tributo a José Afonso



Esta é uma simples e singela homenagem a José Afonso, figura incontornável na história da música portuguesa e que, se infelizmente não nos tivesse deixado tão cedo, teria completado no passado dia 2 o seu 90º aniversário.


"No panorama artístico, social, político, cultural, não foi, José Afonso, um homem qualquer. Pertencerá sem dúvida aquele número reduzido dos que, pelas suas obras, se vão “da lei da morte libertando”.

Para ser grande bastava-lhe a voz. Límpida e jovem voz que ecoou nas escadarias da velha Academia de Coimbra. Voz madura de Maio, voz de um povo sofrido, voz de denúncia, voz de inquietude. Voz sinete da revolução de Abril!

Para ser grande bastavam-lhe as palavras. Palavras de reflexão, de um pensamento atento e generoso, palavras em poemas, musicados ou não. Palavras irónicas, duras ou doces, enigmáticas ou mordazes. Palavras cheias. Cortantes, moendo, denunciando. Trazendo o conforto que nos faz falta, sendo alarme e esperança.

Para ser grande bastava-lhe a música, o trinado da guitarra e da viola, o som dos ferrinhos e do adufe, dos instrumentos em harmonia ou desafiando-se. Bastava a recuperação das raízes musicais, as influências das terras por onde andou, das Beiras ao Algarve, de África ao Alentejo, todas as sonoridades que o seu ser andarilho foi captando para nos dar canções de grande riqueza musical, inovação e originalidade.
Para ser grande bastava-lhe ser homem.

Um homem inteiro, vara aprumada, ainda que por dentro vergasse na inquietude própria de um ser desassossegado e sedento de verdade e justiça. Homem do lado certo da história, da resistência junto a tantos outros, na longa noite fascista. Irmão dos oprimidos, dos desterrados, das mulheres da erva, dos homens que ardem por uma ideia. Fraterno, simples, independente! De braços abertos numa mesa sempre posta, punhos cerrados quando havia um camarada à sua espera.

Para ser enorme bastou-lhe a utopia. Essa utopia presente na ondulação do seu canto, na atitude perante a vida. Que outros agarraram e colocaram nas lides clandestinas, nos canos das espingardas, nas escolas e fábricas, nos campos e nas ruas. A utopia de construir a cidade de “gente igual por dentro e gente igual por fora” onde o povo seja sempre aquele que mais ordena(...)"

Extracto de texto, publicado pela AJA (Associação José Afonso), aquando do lançamento da Petição para a classificação da obra de José Afonso de interesse nacional. Esta Petição, que contou com 11.400 assinaturas, foi entregue no Ministério da Cultura no passado dia 2 de Agosto, data em que José Afonso completaria 90 anos.



Do último concerto que deu no Coliseu de Lisboa, quatro anos antes de falecer (a 23 de Fevereiro de 1987) e já notoriamente debilitado, escolhemos a “Balada de Outono”, cujo refrão soará como uma premonição a todos que na altura o acompanharam:

Balada de Outono

Águas passadas do rio
Meu sono vazio
Não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar

Águas do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar


quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Morreu Aretha Franklin, a rainha da soul



Conhecida por sucessos como Respect e (You make me feel like) a natural woman, era considerada uma das melhores cantoras de todos os tempos.

É frequente a imprensa entusiasmar-se e chamar a esta ou àquela estrela em ascensão no espaço mediático, seja no top de vendas seja fora dele, princesa disto e rei daquilo. Mas quando de trata de alguém com o talento de Aretha Franklin, não há exagero algum em usar a expressão rainha da soul. Escreva-se, por isso, que esta quinta-feira morreu a rainha da soul. Tinha 76 anos. A notícia foi avançada pela Associated Press, citando a agente da cantora.
Na segunda-feira, a agência de notícias Associated Press tinha já garantido que Aretha Franklin estava “seriamente doente”, citando uma fonte próxima e sem avançar quaisquer pormenores.

Desde 2010, ano em que lhe foi diagnosticado um cancro no pâncreas, que o estado de saúde de Franklin enfrentava altos e baixos, escrevia o diário britânico The Guardian. Depois de uma operação, a cantora foi sujeita a uma série de tratamentos que a fizeram perder muitos quilos, mas continuou a dar concertos.
No ano passado, mais debilitada, Franklin anunciou que se retirava dos palcos, embora mantivesse o seu trabalho de estúdios e estivesse disponível para uma ou outra actuação em eventos especiais. Foi o que aconteceu em Novembro, numa gala em que se celebravam os 25 anos da fundação de Elton John de luta contra a sida. Franklin fechou a noite em Nova Iorque com uma colecção de canções que incluiu I say a little prayer e Freeway. No mesmo mês lançou aquele que é, à data, o seu último álbum — A Brand New Me. Ficar em casa sem fazer nada, dizia, não estava nos seus planos.
Já este ano, e por ordem médica, cancelara duas destas actuações especiais: em Março, em Newark, na festa do seu 76.º aniversário; e em Abril, no New Orleans Jazz and Heritage Festival.


Com uma carreira com seis décadas que inclui 18 Grammys e sucessos como Respect(You make me feel like) a natural womanI say a little prayerThink e Chain of Fools, Aretha Franklin ficou também conhecida pelo seu activismo na defesa dos direitos civis. Em 1968 cantou no funeral de Martin Luther King, ícone da luta pela igualdade racial nos Estados Unidos, e em 2009 na tomada de posse de Barack Obama, o primeiro afro-americano a chegar a Presidente dos EUA. Obama dizia-se, aliás, um dos seus maiores fãs, e em 2015 foi dos que mais se comoveu com a actuação surpresa da cantora na gala anual do Kennedy Center.

Intérprete de excepção do gospel, do R&B e da soul, Franklin foi, em 1987, a primeira mulher a entrar no Rock & Roll Hall of Fame.
“Não creio que tenha conhecido alguém que possua um instrumento como o dela e que tenha um background tão rigoroso no gospel, no blues e no vocabulário essencial da música negra”, disse sobre Aretha Franklin Ahmet Ertegun, co-fundador da Atlantic Records, editora em que gravou muitas das suas melhores canções. “Ela foi abençoada com uma extraordinária combinação de uma sofisticação urbana notável com aquele feeling profundo do blues… O resultado é, talvez, a melhor cantora dos nossos tempos.”

Em 2008, a Rolling Stone, uma das revistas mais respeitadas na área da música, publicou a lista das 50 melhores vocalistas de sempre – Aretha Franklin ocupava o primeiro lugar, resultado da votação de um painel composto por 180 especialistas.
Na entrada que sobre ela se escreveu nesse número dedicado às Melhores cantoras de todos os tempos podia ler-se: “Aretha é um presente de Deus. Quando se trata de dizer alguma coisa através de uma canção, não há ninguém como ela. Ela é a razão que leva as mulheres a querem cantar.”


(In: Público, 16 Agosto 2018)






quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Recordando... Madalena Iglésias


Madalena Iglésias

(Lisboa, 24 de Outubro de 1939/Barcelona, 16 de Janeiro de 2018)

Vamos hoje recordar e ao mesmo tempo prestar uma merecida homenagem a Madalena Iglésias, a “raínha da rádio” e uma das figuras mais populares do nacional-cançonetismo dos anos 60, que faleceu no passado dia 16 de Janeiro numa clínica em Barcelona, cidade onde há vários anos residia.

Madalena Iglésias ficará para todo o sempre na memória dos portugueses pela canção “Ele e Ela” com que venceu o Festival da Canção em 1966 e que, pelo sucesso alcançado, foi editada na versão espanhola “Él y Ella” na França, Espanha e Holanda.


Além da canção “Ele e Ela” vamos também deixar-vos com a sua bela interpretação da linda canção “Lisboa”, um tributo à cidade que a viu nascer.