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sexta-feira, 15 de abril de 2022

Morreu Eunice Muñoz, a grande dama do teatro português

 

“Não podia ser outra coisa, só podia ser atriz”, disse Eunice Muñoz quando celebrou os 70 anos de carreira, em 2011. A atriz morreu hoje aos 93 anos e ficará para sempre na história do teatro.

A atriz Eunice Muñoz morreu hoje, no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, aos 93 anos.

A atriz, considerada a "dama do teatro português", tinha, nos últimos meses, dividido o palco com a sua neta, Lídia Muñoz, na peça "A Margem do Tempo". Ao longo de 2021, contracenaram em diferentes palcos do país, numa digressão que culminou no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, em 28 de novembro, exatamente 80 anos após a sua estreia nesse mesmo teatro. 

No final dessa sessão, a que assistiram o primeiro-ministro, António Costa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, e a ministra da Cultura, Graça Fonseca, foi prestada uma homenagem à atriz.

“Este teatro foi a minha casa durante muito anos, fui feliz no palco, em tudo o que cá fiz”, afirmou então Eunice Muñoz.

“Agradeço sobretudo a vocês, ao público, que me acarinhou, que me aplaudiu desde que comecei, até agora que comemoro os meus 80 anos de carreira”, salientou.

“O teatro precisa de nós, de nós no palco e de vocês que recebem o melhor que temos para dar”, acrescentou ainda Eunice Muñoz, concluindo que, “apesar dos dias estranhos e difíceis, o belo continua a existir”.

DO TEATRO À TELEVISÃO, A CARREIRA DA ATRIZ

“Vendaval”, de Virgínia Vitorino, foi a peça com que Eunice Muñoz iniciou a carreira, aos 13 anos, na então Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. O seu talento foi rapidamente reconhecido tendo entrado, pouco depois, para o grupo que então detinha a residência no Teatro Nacional.

Nascida a 30 de julho de 1928, na Amareleja, localidade do concelho de Moura, numa

família de atores, Eunice Muñoz recordava  "a avó, que nunca saiu do Alentejo, mas era uma excelente atriz, e que [lhe] lia textos, quando criança de colo”, disse, em entrevista à agência Lusa.

"Não podia ser outra coisa, só podia ser atriz", frisou Eunice Muñoz quando celebrou os 70 anos de carreira, em 2011. Ao longo da carreira, a atriz apenas abandonou o teatro, “um grande amor" na sua vida, entre os 23 e os 27 anos, para ser secretária de uma empresa onde o seu primeiro marido trabalhava.

Filha e neta de atores de teatro e de artistas de circo, ao longo da carreira Eunice Muñoz entrou em perto de duas centenas de peças, trabalhou com cerca de uma centena de companhias, segundo a base de dados do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e, no cinema e na televisão, o seu nome está associado a mais de oito dezenas de produções de ficção, entre filmes, telenovelas e programas de comédia.

Os grandes atores da época, como Raul de Carvalho ou João Villaret reconheceram-lhe o talento, tal como Amélia Rey Colaço ou Palmira Bastos com quem, em 1943, contracenou, também no D. Maria II, em “Riquezas da sua avó”.

Um ano mais tarde, aos 16 anos, integrou o elenco de “Labirinto”, de Manuel Pressler, e ainda no verão de 1944 interpretou a primeira opereta – “João Ratão” –, ao lado de Estêvão Amarante.

Maria Lalande e Irene Isidro foram atrizes com quem trabalhou e ao lado das quais obteve sucesso. Foi ainda dirigida por Maria Matos, em “A Portuguesa”, de Carlos Vale.

Eunice Muñoz ingressou cedo no Conservatório Nacional de onde saiu com 18 anos e uma média final de 18 valores.

A popularidade pode, porém, dizer-se que chegou à sua carreira quando, no Teatro Variedades, faz parte do elenco de “Chuva de Filhos”, de Margaret Mayo, ao lado de Vasco Santana e de Mirita Casimiro.

A estreia no cinema aconteceu em 1946 quando, pela mão de Leitão de Barros fez

“Camões”, papel com o qual venceu o prémio do SNI – Serviço Nacional de Informação, para a melhor atriz cinematográfica do ano.

“Um homem do Ribatejo”, de Henrique Campos (1946), e “Os vizinhos do rés-do-chão”, de Alejandro Perla (1947), são as peças que levou ao teatro Variedades.

“Outono em flor”, de Júlio Dantas, em 1948, assinalou o regresso da atriz ao Nacional, onde a seguir desempenhou “Espada de Fogo”, de Carlos Selvagem, numa encenação de Palmira Bastos, que se revelou um êxito.

“A Morgadinha dos Canaviais”, de Caetano Bonuccio e Amadeu Ferrari, adaptação do romance homónimo de Júlio Dinis, em 1949, marcou o seu regresso ao cinema.

Em 1950 e 1951, duas grandes comédias celebrizadas por Ernst Lubitsch, no cinema, são recriadas com êxito pela atriz: na primeira, “Ninotchka”, de Melchior Lengyel, Eunice Muñoz toma o papel que fora de Greta Garbo, ao lado de Igrejas Caeiro, Maria Matos e Vasco Santana; em “A loja da esquina”, de Edward Percy, em 1951, a atriz integra a Companhia de Teatro Gynásio, dirigida por António Pedro, para reviver em palco os mal entendidos que juntaram James Stewart e Margaret Sullavan na tela.

Eunice Muñoz passou ainda pelo Teatro da Trindade mas retirou-se de cena, já mãe da primeira filha, para um interregno entre os 23 e os 27 anos.

Regressou aos palcos em 1955 para interpretar “Joana d´Arc”, de Jean Anouilh, no Teatro Avenida, que constituiu um grande êxito. Dois anos depois interpretou “A desaparecida”, de Pirandello, e, pouco depois, com Maria Lalande, Isabel de Castro, Maria José, Ruy de Carvalho, Curado Ribeiro e Fernando Gusmão, entrou para o Teatro Nacional Popular, sob a direcção de Francisco Ribeiro (Ribeirinho), de quem assegura guardar “gratas e boas memórias”.

“Noite de Reis”, de Shakespeare, “Um serão nas laranjeiras”, de Júlio Dantas, ou “Pássaros de Asas Cortadas”, de Luiz Francisco Rebello, foram algumas das peças em que foi dirigida por Ribeirinho.

Na década de 1960, entrou na comédia na Companhia de Teatro Alegre, ao Parque

Mayer, juntamente com António Silva e Henrique Santana.

Monumental e Variedades foram teatros onde também representou, após o que, em 1965, fundou, com Raul Solnado, a Companhia Portuguesa de Comediantes, com sede no então recém inaugurado Tetaro Villaret.

Laura Alves, Virgílio Teixeira, Mimi Muñoz – sua mãe - eram atores com quem contracenava ao mesmo tempo que ia pisando palcos de diferentes salas. Em 1970 estreou-se na encenação com “A Voz Humana”, de Jean Cocteau.

Nos anos de 1970 integrou uma nova formação artística, no Teatro S. Luiz, mas a poucas horas da estreia de “A mãe”, de Stanislaw Wiktiewicz, a censura da ditadura proibiu a peça e o então diretor Luiz Francisco Rebello demitiu-se.

Passou então a dedicar-se à divulgação de poetas que ama, regressando ao teatro para interpretar, com Glicínia Quartin, “As criadas”, de Jean Genet, pela mão de Carlos Avilez, no Teatro Experimental de Cascais. Com Avilez fará uma longa digressão por África, regressando aos palcos portugueses apenas em 1978.

Peças de Donald Coburn, John Murray, Bertolt Brecht, Hermann Broch, Athol Fuggard, Eurípedes, e encenadores como João Perry, João Lourenço ou Filipe La Féria, em "Passa por Mim no Rossio" (1992), foram algumas das pessoas com quem trabalhou no teatro.

Os filmes “Manhã Submersa”, de Lauro António (1980), e “Tempos Difíceis”, de João

Botelho (1987), fazem parte do seu currículo.

Em 1991, quando comemorou 50 anos de carreira, Vítor Pavão dos Santos, então diretor do Museu do teatro, organizou uma grande exposição sobre a vida profissional de Eunice Muñoz. Na mesma altura foi condecorada pelo então Presidente da República Mário Soares.

“A Banqueira do Povo”, de Walter Avancini, em 1993, assinalou a sua estreia nas telenovelas.

“Miss Daisy”, encenada por Celso Cleto em 2006, e “O comboio da madrugada”, de Tennessee Williams, dirigida este ano por Carlos Avilez, foram algumas peças que representou nas últimas décadas.

Em 2011, em declarações à Lusa, Eunice Muñoz afirmou que se sentia uma atriz "profundamente roubada", como a geração a que pertenceu, por causa da censura anterior ao 25 de Abril de 1974, pois houve peças proibidas que nunca pôde representar.

Nesse ano a atriz abriu as celebrações dos seus 70 anos de carreira com a peça "O Cerco a Leninegrado", do espanhol José Sanchis Sinisterra, encenada por Celso Cleto, no auditório com o seu nome, em Oeiras, nos arredores de Lisboa.

Na televisão, aceitou o desafio de Nicolau Breyner e participou nas séries cómicas

"Nicolau no país das maravilhas" e "Nico d'Obra". Em 1933 protagonizou “A Banqueira do Povo”, de Walter Avancini, seguindo-se outras telenovelas, entre as quais "Todo o Tempo do Mundo", "Porto dos Milagres", "Olhos de Água", "Sonhos Traídos", "Olhos nos Olhos", "Mar de Paixão". Em 2016 e 2017 fez parte do elenco de “A Impostora”.

Eunice Munõz participou ainda na versão televisiva de "Equador", romance de Miguel Sousa Tavares.

Em 2015, recebeu o Prémio Carreira da Academia Portuguesa de Cinema e o TNDM produziu “74 Eunices - Homenagem a Eunice Muñoz”. A Presidência da República distinguiu-a como Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (1981), com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1991) e com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2011).

De resto, assegurava, ser "uma mulher como as outras": "Mãe de seis filhos, com netos e bisnetos para os quais quer todo o bem", conclui.


Adaptado de: https://mag.sapo.pt/

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Carlos do Carmo, morreu a andorinha e a voz de Lisboa

 


Amanheceu triste o primeiro dia do ano em Portugal, com a morte de Carlos do Carmo, a andorinha e a voz de Lisboa, o fadista do charme e do Bairro da Bica que se despediu dos palcos na data decidida, em Novembro de 2019, com três concertos, salas lotadas em Braga, no Porto e em Lisboa, o público de pé, ovação demorada, e ele de lágrimas no rosto antes sequer de começar a cantar o fado que renovou e espraiou pelo mundo. "A vida correu-me bem", repetiu nas últimas entrevistas.

O filho da fadista Lucília do Carmo e do livreiro Alfredo de Almeida foi internado, com um aneurisma na aorta, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, na última noite de 2020, morrendo na primeira manhã de 2021. Tinha 81 anos, quase 60 de carreira e, entre inúmeras distinções, a única alguma vez atribuída a alguém que não é chefe de Estado - a chave da cidade de Lisboa. Do seu extenso legado, que inclui 300 canções por muitos de muitas gerações sabidas de cor - "Os Putos", "Lisboa, Menina e Moça", "Estrela da tarde", "Um homem na cidade" - , faz parte um álbum de estúdio que também decidiu que seria o derradeiro, mas não póstumo como acabará por ser. "E Ainda" traz dentro poetas como Sophia e Herberto, Pomar e Palma, e está pronto a ser editado. "Carlos do Carmo deu vida às palavras como ninguém. Muitas vezes visionário, nunca abdicou de levar o Fado para outras dimensões, de lhe introduzir novos instrumentos, de evangelizar novos poetas", diz o comunicado da editora Universal.

O Governo decretou um Dia de Luto Nacional para segunda-feira, dia em que se realizam as cerimónias fúnebres - o velório começa às nove horas na Basílica da Estrela e a missa de corpo presente às 14h, não sendo ainda conhecido o cemitério para onde irá - e propôs ao Presidente da República a atribuição da Ordem da Liberdade, a título póstumo. "Por detrás de uma grande figura da cultura estava um grande homem, com uma grande riqueza pessoal, uma sensibilidade e uma intuição e identificação com o povo português que o povo português não esquece", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa numa declaração à RTP.

Carlos do Carmo, cavalheiro e "maluco", amante da palavra, da liberdade e de Judite, a mulher de uma vida inteira, nasceu em Lisboa, em 21 de dezembro de 1939, iniciando a carreira aos 25 anos, até aos 34 em censura. Ao mesmo tempo geria "O Faia", no Bairro Alto, casa de fados da família em que a mãe era diva. O pai, que fizera questão de que o filho estudasse na Suíça, morrera-lhe quatro anos antes. "2021 amanheceu sem charme, triste e mais pobre", lê-se na página de Facebook d"O Faia, amostra do desalento que inesperadamente ensombrou todas as casas idênticas da capital. "Esta era a notícia que não queríamos no começo do novo ano."


Primeiro português a ser distinguido com o Grammy Latino de Carreira, subiu aos palcos do Olympia de Paris, da Ópera de Frankfurt, do Canecão do Rio de Janeiro, do Royal Albert Hall de Londres, e aos palcos de centenas de salas espalhadas por todas cidades do mundo que acolhem as comunidades portuguesas. E cantou com dezenas de fadistas, homens e mulheres, a maioria tratava-o por mestre, mesmo quando na crítica não era manso. "Miúdas a cantar com bateria não é fado, é cabaret", chegou a dizer. Como chegou a mandar calar as palmas do público. O fado exigia-lhe silêncio e respeito. Era também essa dignificação do fado, pela qual lutou incansavelmente depois do 25 de Abril, que os outros procuravam nele. "A parede negra da ausência das pessoas que nos são próximas é coisa muito triste", escreveu Sérgio Godinho, que para ele escreveu "Velho Cantor". Chocado, Camané manteve o tom. "É difícil de lidar, vai ser sempre uma das pessoas mais importantes do fado."

Mas Carlos do Carmo, para quem Ary dos Santos escreveu tantos poemas, não se confinou a cantar. Foi um dos fundadores da Associação Portuguesa dos Amigos do Fado, o principal impulsionador da criação do Museu do Fado, em Lisboa, e embaixador da candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade, finalmente assim classificado pela Unesco em 2011. Ele é "o representante máximo do chamado fado novo", lê-se na Enciclopédia da Música Portuguesa no Século XX, acentuando também a diferença literária. Com ele, "a tónica passa da saudade para a liberdade, e da tristeza passiva para a enérgica vontade ativa". Quando quis descer o pano, escolheu fazê-lo como andorinha. "Vivo a vida como dantes a cantar/ Não tenho menos nem mais do que já tinha".

In: jn.pt/artes/carlos-do-carmo-morreu-a-andorinha-e-a-voz-de-lisboa, 1 Jan.2021

domingo, 4 de agosto de 2019

Tributo a José Afonso



Esta é uma simples e singela homenagem a José Afonso, figura incontornável na história da música portuguesa e que, se infelizmente não nos tivesse deixado tão cedo, teria completado no passado dia 2 o seu 90º aniversário.


"No panorama artístico, social, político, cultural, não foi, José Afonso, um homem qualquer. Pertencerá sem dúvida aquele número reduzido dos que, pelas suas obras, se vão “da lei da morte libertando”.

Para ser grande bastava-lhe a voz. Límpida e jovem voz que ecoou nas escadarias da velha Academia de Coimbra. Voz madura de Maio, voz de um povo sofrido, voz de denúncia, voz de inquietude. Voz sinete da revolução de Abril!

Para ser grande bastavam-lhe as palavras. Palavras de reflexão, de um pensamento atento e generoso, palavras em poemas, musicados ou não. Palavras irónicas, duras ou doces, enigmáticas ou mordazes. Palavras cheias. Cortantes, moendo, denunciando. Trazendo o conforto que nos faz falta, sendo alarme e esperança.

Para ser grande bastava-lhe a música, o trinado da guitarra e da viola, o som dos ferrinhos e do adufe, dos instrumentos em harmonia ou desafiando-se. Bastava a recuperação das raízes musicais, as influências das terras por onde andou, das Beiras ao Algarve, de África ao Alentejo, todas as sonoridades que o seu ser andarilho foi captando para nos dar canções de grande riqueza musical, inovação e originalidade.
Para ser grande bastava-lhe ser homem.

Um homem inteiro, vara aprumada, ainda que por dentro vergasse na inquietude própria de um ser desassossegado e sedento de verdade e justiça. Homem do lado certo da história, da resistência junto a tantos outros, na longa noite fascista. Irmão dos oprimidos, dos desterrados, das mulheres da erva, dos homens que ardem por uma ideia. Fraterno, simples, independente! De braços abertos numa mesa sempre posta, punhos cerrados quando havia um camarada à sua espera.

Para ser enorme bastou-lhe a utopia. Essa utopia presente na ondulação do seu canto, na atitude perante a vida. Que outros agarraram e colocaram nas lides clandestinas, nos canos das espingardas, nas escolas e fábricas, nos campos e nas ruas. A utopia de construir a cidade de “gente igual por dentro e gente igual por fora” onde o povo seja sempre aquele que mais ordena(...)"

Extracto de texto, publicado pela AJA (Associação José Afonso), aquando do lançamento da Petição para a classificação da obra de José Afonso de interesse nacional. Esta Petição, que contou com 11.400 assinaturas, foi entregue no Ministério da Cultura no passado dia 2 de Agosto, data em que José Afonso completaria 90 anos.



Do último concerto que deu no Coliseu de Lisboa, quatro anos antes de falecer (a 23 de Fevereiro de 1987) e já notoriamente debilitado, escolhemos a “Balada de Outono”, cujo refrão soará como uma premonição a todos que na altura o acompanharam:

Balada de Outono

Águas passadas do rio
Meu sono vazio
Não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar

Águas do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Canoa do Tejo


Canoa do Tejo

Canoa de vela erguida
Que vens do Cais da Ribeira,
Gaivota que anda perdida
Sem encontrar companheira,
O Vento sopra nas Fragas,
O Sol parece um morango
E o Tejo baila com as vagas
A ensaiar um fandango

Canoa, conheces bem,
Quando há Norte pela proa,
Quantas docas tem Lisboa
E as muralhas que ela tem!
Canoa, por onde vais,
Se algum barco te abalroa,
Nunca mais voltas ao Cais!
Nunca, nunca, nunca mais!!

Canoa de vela panda
Que vens da Boca da Barra
E trazes na aragem branda
Gemidos duma guitarra,
Teu arrais prendeu a vela;
E se adormeceu, deixá-lo!
Agora muita cautela
Não vá o Mar acordá-lo!


Letra e música: Frederico de Brito

Interpretação: Carlos do Carmo

terça-feira, 16 de agosto de 2016

As Amoras



As Amoras


O meu país sabe a amoras bravas

no verão.

Ninguém ignora que não é grande,

nem inteligente, nem elegante o meu país,

mas tem esta voz doce

de quem acorda cedo para cantar nas silvas.

Raramente falei do meu país, talvez

nem goste dele, mas quando um amigo

me traz amoras bravas

os seus muros parecem-me brancos,

reparo que também no meu país o céu é azul.

(Eugénio de Andrade)

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

"Valeu a Pena" viver...



Moniz Pereira (1921-2016), o homem que fez Portugal acreditar em “coisas impossíveis”, símbolo do desporto nacional, morreu ontem aos 95 anos de idade.
Foi um dos maiores impulsionadores do atletismo nacional e treinador de grandes figuras como Carlos Lopes, Fernando Mamede, Francis Obikwelu ou Naide Gomes.

Chamaram-lhe maluco por acreditar que os atletas portugueses podiam ter resultados tão bons quanto os seus concorrentes. Mas ele nunca se desviou do objectivo de ver um português subir ao lugar mais alto do pódio nuns Jogos Olímpicos. Demorou 39 anos, mas provou que a razão estava do seu lado quando Carlos Lopes conquistou a primeira medalha olímpica portuguesa de ouro, na maratona, em Los Angeles 1984. Mário Moniz Pereira, apaixonado pelo desporto e a quem chamavam “senhor atletismo”, moldou campeões e teve um papel inigualável na projecção internacional dos atletas portugueses. Morreu neste domingo aos 95 anos, de pneumonia, razão pela qual estava internado há alguns dias.

O desporto esteve sempre presente na sua vida. Praticou andebol, basquetebol, futebol, hóquei em patins, ténis de mesa e voleibol. E, claro, atletismo — a sua grande paixão. O recorde nacional do triplo salto chegou a pertencer-lhe, mas foi quando assumiu o papel de treinador que começou a fazer uma revolução em Portugal.


No Sporting, clube do qual era o sócio número 2 e foi um pouco de tudo (até preparador físico da equipa de futebol em 1970 e 1971, sagrando-se campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal), tornou-se um técnico de elite e forjou alguns dos nomes que hoje são referências do atletismo nacional. Carlos Lopes, Fernando Mamede, Domingos Castro e Dionísio Castro, Rui Silva, Francis Obikwelu ou Naide Gomes passaram-lhe pelas mãos e ajudaram a tornar o seu sonho realidade: ter atletas portugueses a ombrear com os melhores do mundo.

Licenciado em Educação Física pelo Instituto Nacional de Educação Física (INEF) em Lisboa, onde deu aulas durante 27 anos, Moniz Pereira participou em 12 Jogos Olímpicos entre 1948 e 2012.

“Para o atletismo representa um pilar fundamental. Moniz Pereira tem um lugar ímpar, foi efectivamente ele que lançou a nossa modalidade para os níveis que temos hoje. Tinha a convicção que os atletas portugueses, com os mesmos apoios, seriam tão bons quanto os outros. E conseguiu provar essa tese. Fez-nos acreditar que era possível”, notou o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo, Jorge Vieira, num testemunho ao PÚBLICO.


Moniz Pereira aborrecia-se por Portugal ser um país concentrado no futebol. Mesmo que, por vezes, isso implicasse criticar o Sporting, clube de sempre: “O atletismo deu mais títulos e nome ao clube do que o futebol e, no entanto, só pensam no futebol. Quando foi a construção do novo estádio prometeram uma pista, ia acompanhando as obras e não via nada. Até que percebi — um estádio novo sem pista. É difícil manter dezenas de modalidades sem infra-estruturas”, queixava-se numa entrevista ao PÚBLICO, em 2012, antes do início dos Jogos Olímpicos de Londres.

“O professor Moniz Pereira tinha uma ideia que era mostrar aos portugueses que podiam ser tão bons como os outros. Destacava-se por essa ideia e pelo seu trabalho diário. Tinha uma capacidade de persuasão extraordinária, de elevar os nossos patamares de motivação”, recordou José Carvalho, ex-atleta olímpico.

Amigo íntimo do “senhor atletismo”, o fadista Carlos do Carmo define-o simplesmente como “o maior”. “Gostava que os mais jovens soubessem que, desportivamente falando, estamos perante talvez o mais ilustre português que tivemos. Fundou uma escola de atletismo e criou uma série de campeões do mundo”, sublinhou o fadista com quem Moniz Pereira partilhava a paixão pela música – o treinador compôs várias músicas cantadas por grandes nomes do fado português.

Moniz Pereira deixou o comando directo do atletismo do Sporting após os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992. E, nos tempos mais recentes, a idade fazia com que praticamente não saísse de casa. Mas nem por isso deixava de acompanhar atentamente a modalidade, fossem as provas internacionais ou os campeonatos nacionais. “Eu consegui realmente as tais coisas impossíveis e estou bastante satisfeito”, concluía na entrevista de 2012. O legado de Moniz Pereira fará com que nunca seja esquecido.



Mário Moniz Pereira era um contador de histórias, que imobilizava plateias, mas também um compositor, autor e cantor de fado. "Valeu a Pena" é um dos seus mais conhecidos.

Fontes:

Valeu a Pena

Autor da Letra: Mário Moniz Pereira
Autor da Música: Mário Moniz Pereira
Intérprete: Maria da Fé

Com voz serena, perguntaram-me ao ouvido
Valeu a pena, vir ao mundo e ter nascido?

Com lealdade, vou responder, mas primeiro
Consultei meu travesseiro, sobre a verdade

Tive porém, que lembrar o meu passado
Horas boas do meu fado, e as más também

Valeu a pena
Ter vivido o que vivi
Valeu a pena
Ter sofrido o que sofri
Valeu a pena
Ter amado quem amei
Ter beijado quem beijei
Valeu a pena

Valeu a pena, ter sonhado o que sonhei
Valeu a pena, ter passado o que passei

Valeu a pena, conhecer quem conheci
Ter sentido o que senti, valeu a pena

Valeu a pena, ter cantado o que cantei
Ter chorado o que chorei, valeu a pena

Valeu a pena
ter amado quem amei
ter beijado quem beijei
valeu a pena
valeu a pena
ter cantado o que cantei
ter chorado o que chorei
valeu a pena.


terça-feira, 7 de julho de 2015

Hortênsia



HORTÊNSIA

Um dia fui aos Açores

e os olhos ficaram lá

enfeitiçados de amores

pelas hortênsias que há.



Bordam montes e caminhos

fazem da terra um jardim,

por isso não admira

que o seu povo cante assim:



“Quando há procissão no céu

e têm falta de andores

os anjos vêm buscar

as nove ilhas dos Açores”



Também há no continente

esta flor maravilhosa.

No Norte chamam-lhe hidrângea.
Branca, azul, lilás ou rosa.


 Rosa Lobato Faria,
in "ABC das Flores e dos Frutos em rima infantil"