domingo, 4 de agosto de 2019

Tributo a José Afonso



Esta é uma simples e singela homenagem a José Afonso, figura incontornável na história da música portuguesa e que, se infelizmente não nos tivesse deixado tão cedo, teria completado no passado dia 2 o seu 90º aniversário.


"No panorama artístico, social, político, cultural, não foi, José Afonso, um homem qualquer. Pertencerá sem dúvida aquele número reduzido dos que, pelas suas obras, se vão “da lei da morte libertando”.

Para ser grande bastava-lhe a voz. Límpida e jovem voz que ecoou nas escadarias da velha Academia de Coimbra. Voz madura de Maio, voz de um povo sofrido, voz de denúncia, voz de inquietude. Voz sinete da revolução de Abril!

Para ser grande bastavam-lhe as palavras. Palavras de reflexão, de um pensamento atento e generoso, palavras em poemas, musicados ou não. Palavras irónicas, duras ou doces, enigmáticas ou mordazes. Palavras cheias. Cortantes, moendo, denunciando. Trazendo o conforto que nos faz falta, sendo alarme e esperança.

Para ser grande bastava-lhe a música, o trinado da guitarra e da viola, o som dos ferrinhos e do adufe, dos instrumentos em harmonia ou desafiando-se. Bastava a recuperação das raízes musicais, as influências das terras por onde andou, das Beiras ao Algarve, de África ao Alentejo, todas as sonoridades que o seu ser andarilho foi captando para nos dar canções de grande riqueza musical, inovação e originalidade.
Para ser grande bastava-lhe ser homem.

Um homem inteiro, vara aprumada, ainda que por dentro vergasse na inquietude própria de um ser desassossegado e sedento de verdade e justiça. Homem do lado certo da história, da resistência junto a tantos outros, na longa noite fascista. Irmão dos oprimidos, dos desterrados, das mulheres da erva, dos homens que ardem por uma ideia. Fraterno, simples, independente! De braços abertos numa mesa sempre posta, punhos cerrados quando havia um camarada à sua espera.

Para ser enorme bastou-lhe a utopia. Essa utopia presente na ondulação do seu canto, na atitude perante a vida. Que outros agarraram e colocaram nas lides clandestinas, nos canos das espingardas, nas escolas e fábricas, nos campos e nas ruas. A utopia de construir a cidade de “gente igual por dentro e gente igual por fora” onde o povo seja sempre aquele que mais ordena(...)"

Extracto de texto, publicado pela AJA (Associação José Afonso), aquando do lançamento da Petição para a classificação da obra de José Afonso de interesse nacional. Esta Petição, que contou com 11.400 assinaturas, foi entregue no Ministério da Cultura no passado dia 2 de Agosto, data em que José Afonso completaria 90 anos.



Do último concerto que deu no Coliseu de Lisboa, quatro anos antes de falecer (a 23 de Fevereiro de 1987) e já notoriamente debilitado, escolhemos a “Balada de Outono”, cujo refrão soará como uma premonição a todos que na altura o acompanharam:

Balada de Outono

Águas passadas do rio
Meu sono vazio
Não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar

Águas do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar


4 comentários:

  1. Uma homenagem muito bonita ao Zeca, que ficará para sempre nos nossos corações. Arrepio-me sempre que ouço a Balada de Outono…
    Uma boa semana.
    Beijos.

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  2. Tétis,
    gracias por compartir, aprendemos siempre mucho con tus post llenos de hermosura.
    Beijos

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  3. Zeca, com a sua generosidade e tolerância, era uma porta aberta para quem dentro dela quisesse entrar. Numa atitude quase franciscana, manteve até ao derradeiro sopro de vida, a mesma fieldade aos seus ideais e valores utópicos, na sua incansável caminhada pela liberdade e justiça. Recordá-lo faz bem, transmite-nos muita esperança... M.Falcão

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