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sexta-feira, 15 de abril de 2022

Morreu Eunice Muñoz, a grande dama do teatro português

 

“Não podia ser outra coisa, só podia ser atriz”, disse Eunice Muñoz quando celebrou os 70 anos de carreira, em 2011. A atriz morreu hoje aos 93 anos e ficará para sempre na história do teatro.

A atriz Eunice Muñoz morreu hoje, no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, aos 93 anos.

A atriz, considerada a "dama do teatro português", tinha, nos últimos meses, dividido o palco com a sua neta, Lídia Muñoz, na peça "A Margem do Tempo". Ao longo de 2021, contracenaram em diferentes palcos do país, numa digressão que culminou no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, em 28 de novembro, exatamente 80 anos após a sua estreia nesse mesmo teatro. 

No final dessa sessão, a que assistiram o primeiro-ministro, António Costa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, e a ministra da Cultura, Graça Fonseca, foi prestada uma homenagem à atriz.

“Este teatro foi a minha casa durante muito anos, fui feliz no palco, em tudo o que cá fiz”, afirmou então Eunice Muñoz.

“Agradeço sobretudo a vocês, ao público, que me acarinhou, que me aplaudiu desde que comecei, até agora que comemoro os meus 80 anos de carreira”, salientou.

“O teatro precisa de nós, de nós no palco e de vocês que recebem o melhor que temos para dar”, acrescentou ainda Eunice Muñoz, concluindo que, “apesar dos dias estranhos e difíceis, o belo continua a existir”.

DO TEATRO À TELEVISÃO, A CARREIRA DA ATRIZ

“Vendaval”, de Virgínia Vitorino, foi a peça com que Eunice Muñoz iniciou a carreira, aos 13 anos, na então Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. O seu talento foi rapidamente reconhecido tendo entrado, pouco depois, para o grupo que então detinha a residência no Teatro Nacional.

Nascida a 30 de julho de 1928, na Amareleja, localidade do concelho de Moura, numa

família de atores, Eunice Muñoz recordava  "a avó, que nunca saiu do Alentejo, mas era uma excelente atriz, e que [lhe] lia textos, quando criança de colo”, disse, em entrevista à agência Lusa.

"Não podia ser outra coisa, só podia ser atriz", frisou Eunice Muñoz quando celebrou os 70 anos de carreira, em 2011. Ao longo da carreira, a atriz apenas abandonou o teatro, “um grande amor" na sua vida, entre os 23 e os 27 anos, para ser secretária de uma empresa onde o seu primeiro marido trabalhava.

Filha e neta de atores de teatro e de artistas de circo, ao longo da carreira Eunice Muñoz entrou em perto de duas centenas de peças, trabalhou com cerca de uma centena de companhias, segundo a base de dados do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e, no cinema e na televisão, o seu nome está associado a mais de oito dezenas de produções de ficção, entre filmes, telenovelas e programas de comédia.

Os grandes atores da época, como Raul de Carvalho ou João Villaret reconheceram-lhe o talento, tal como Amélia Rey Colaço ou Palmira Bastos com quem, em 1943, contracenou, também no D. Maria II, em “Riquezas da sua avó”.

Um ano mais tarde, aos 16 anos, integrou o elenco de “Labirinto”, de Manuel Pressler, e ainda no verão de 1944 interpretou a primeira opereta – “João Ratão” –, ao lado de Estêvão Amarante.

Maria Lalande e Irene Isidro foram atrizes com quem trabalhou e ao lado das quais obteve sucesso. Foi ainda dirigida por Maria Matos, em “A Portuguesa”, de Carlos Vale.

Eunice Muñoz ingressou cedo no Conservatório Nacional de onde saiu com 18 anos e uma média final de 18 valores.

A popularidade pode, porém, dizer-se que chegou à sua carreira quando, no Teatro Variedades, faz parte do elenco de “Chuva de Filhos”, de Margaret Mayo, ao lado de Vasco Santana e de Mirita Casimiro.

A estreia no cinema aconteceu em 1946 quando, pela mão de Leitão de Barros fez

“Camões”, papel com o qual venceu o prémio do SNI – Serviço Nacional de Informação, para a melhor atriz cinematográfica do ano.

“Um homem do Ribatejo”, de Henrique Campos (1946), e “Os vizinhos do rés-do-chão”, de Alejandro Perla (1947), são as peças que levou ao teatro Variedades.

“Outono em flor”, de Júlio Dantas, em 1948, assinalou o regresso da atriz ao Nacional, onde a seguir desempenhou “Espada de Fogo”, de Carlos Selvagem, numa encenação de Palmira Bastos, que se revelou um êxito.

“A Morgadinha dos Canaviais”, de Caetano Bonuccio e Amadeu Ferrari, adaptação do romance homónimo de Júlio Dinis, em 1949, marcou o seu regresso ao cinema.

Em 1950 e 1951, duas grandes comédias celebrizadas por Ernst Lubitsch, no cinema, são recriadas com êxito pela atriz: na primeira, “Ninotchka”, de Melchior Lengyel, Eunice Muñoz toma o papel que fora de Greta Garbo, ao lado de Igrejas Caeiro, Maria Matos e Vasco Santana; em “A loja da esquina”, de Edward Percy, em 1951, a atriz integra a Companhia de Teatro Gynásio, dirigida por António Pedro, para reviver em palco os mal entendidos que juntaram James Stewart e Margaret Sullavan na tela.

Eunice Muñoz passou ainda pelo Teatro da Trindade mas retirou-se de cena, já mãe da primeira filha, para um interregno entre os 23 e os 27 anos.

Regressou aos palcos em 1955 para interpretar “Joana d´Arc”, de Jean Anouilh, no Teatro Avenida, que constituiu um grande êxito. Dois anos depois interpretou “A desaparecida”, de Pirandello, e, pouco depois, com Maria Lalande, Isabel de Castro, Maria José, Ruy de Carvalho, Curado Ribeiro e Fernando Gusmão, entrou para o Teatro Nacional Popular, sob a direcção de Francisco Ribeiro (Ribeirinho), de quem assegura guardar “gratas e boas memórias”.

“Noite de Reis”, de Shakespeare, “Um serão nas laranjeiras”, de Júlio Dantas, ou “Pássaros de Asas Cortadas”, de Luiz Francisco Rebello, foram algumas das peças em que foi dirigida por Ribeirinho.

Na década de 1960, entrou na comédia na Companhia de Teatro Alegre, ao Parque

Mayer, juntamente com António Silva e Henrique Santana.

Monumental e Variedades foram teatros onde também representou, após o que, em 1965, fundou, com Raul Solnado, a Companhia Portuguesa de Comediantes, com sede no então recém inaugurado Tetaro Villaret.

Laura Alves, Virgílio Teixeira, Mimi Muñoz – sua mãe - eram atores com quem contracenava ao mesmo tempo que ia pisando palcos de diferentes salas. Em 1970 estreou-se na encenação com “A Voz Humana”, de Jean Cocteau.

Nos anos de 1970 integrou uma nova formação artística, no Teatro S. Luiz, mas a poucas horas da estreia de “A mãe”, de Stanislaw Wiktiewicz, a censura da ditadura proibiu a peça e o então diretor Luiz Francisco Rebello demitiu-se.

Passou então a dedicar-se à divulgação de poetas que ama, regressando ao teatro para interpretar, com Glicínia Quartin, “As criadas”, de Jean Genet, pela mão de Carlos Avilez, no Teatro Experimental de Cascais. Com Avilez fará uma longa digressão por África, regressando aos palcos portugueses apenas em 1978.

Peças de Donald Coburn, John Murray, Bertolt Brecht, Hermann Broch, Athol Fuggard, Eurípedes, e encenadores como João Perry, João Lourenço ou Filipe La Féria, em "Passa por Mim no Rossio" (1992), foram algumas das pessoas com quem trabalhou no teatro.

Os filmes “Manhã Submersa”, de Lauro António (1980), e “Tempos Difíceis”, de João

Botelho (1987), fazem parte do seu currículo.

Em 1991, quando comemorou 50 anos de carreira, Vítor Pavão dos Santos, então diretor do Museu do teatro, organizou uma grande exposição sobre a vida profissional de Eunice Muñoz. Na mesma altura foi condecorada pelo então Presidente da República Mário Soares.

“A Banqueira do Povo”, de Walter Avancini, em 1993, assinalou a sua estreia nas telenovelas.

“Miss Daisy”, encenada por Celso Cleto em 2006, e “O comboio da madrugada”, de Tennessee Williams, dirigida este ano por Carlos Avilez, foram algumas peças que representou nas últimas décadas.

Em 2011, em declarações à Lusa, Eunice Muñoz afirmou que se sentia uma atriz "profundamente roubada", como a geração a que pertenceu, por causa da censura anterior ao 25 de Abril de 1974, pois houve peças proibidas que nunca pôde representar.

Nesse ano a atriz abriu as celebrações dos seus 70 anos de carreira com a peça "O Cerco a Leninegrado", do espanhol José Sanchis Sinisterra, encenada por Celso Cleto, no auditório com o seu nome, em Oeiras, nos arredores de Lisboa.

Na televisão, aceitou o desafio de Nicolau Breyner e participou nas séries cómicas

"Nicolau no país das maravilhas" e "Nico d'Obra". Em 1933 protagonizou “A Banqueira do Povo”, de Walter Avancini, seguindo-se outras telenovelas, entre as quais "Todo o Tempo do Mundo", "Porto dos Milagres", "Olhos de Água", "Sonhos Traídos", "Olhos nos Olhos", "Mar de Paixão". Em 2016 e 2017 fez parte do elenco de “A Impostora”.

Eunice Munõz participou ainda na versão televisiva de "Equador", romance de Miguel Sousa Tavares.

Em 2015, recebeu o Prémio Carreira da Academia Portuguesa de Cinema e o TNDM produziu “74 Eunices - Homenagem a Eunice Muñoz”. A Presidência da República distinguiu-a como Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (1981), com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1991) e com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2011).

De resto, assegurava, ser "uma mulher como as outras": "Mãe de seis filhos, com netos e bisnetos para os quais quer todo o bem", conclui.


Adaptado de: https://mag.sapo.pt/

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Um tributo a Eunice Muñoz

No passado dia 28, Eunice Muñoz subiu ao palco do Auditório Municipal que tem o seu nome, em Oeiras, para estrear a peça "O cerco a Leninegrado", no dia em que se celebraram os 70 anos da sua estreia, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. Foi ainda agraciada, nesse mesmo dia, pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.


Eunice do Carmo Muñoz nasceu em Amareleja, uma freguesia do Baixo Alentejo, a 30 de Julho de 1928.

Com origens numa família de actores, estreou-se em 1941 na peça “Vendaval”, de Virgínia Vitorino, com a Companhia Amélia Rey Colaço/ Robles Monteiro, sediada no Teatro Nacional D. Maria II. O seu talento, de imediato reconhecido e admirado, permite-lhe uma rápida integração na Companhia.

Em 1943 contracena com Palmira Bastos em “Riquezas da sua Avó”, uma comédia espanhola, a que se segue, no ano seguinte,” Labirinto”, de Manuel Pressler. Ainda no Verão desse ano protagoniza a opereta “João Ratão”. Continuou a coleccionar sucessos, ao lado de Maria Lalande e Irene Isidro em “Raparigas Modernas”, sendo ainda dirigida por Maria Matos em “A Portuguesa”, de Carlos Vale.

Já aluna do Conservatório Nacional de Teatro celebriza-se em “A Casta Susana”, de Georg Okonkowikski. Termina o Conservatório com 18 anos e uma média final de 18 valores.

Foi porém, no Teatro Variedades com a peça “Chuva de Filhos”, ao lado de Vasco Santana e Mirita Casimiro, que começou a ganhar grande popularidade.

Em 1946 dá-se a sua estreia no cinema, no filme de Leitão de Barros, “Camões”. Por esta interpretação, Eunice ganha o prémio do SNI - Secretariado Nacional de Informação, para a melhor actriz cinematográfica do ano. Seguem-se “Um Homem do Ribatejo” (1946) e “Os Vizinhos do Rés-do-Chão” (1947).

Em 1947 ingressa na Companhia de Comediantes Rafael de Oliveira e no ano seguinte regressa ao Teatro Nacional para protagonizar “Outono em Flor”, de Júlio Dantas. Com a peça “Espada de Fogo”, de Carlos Selvagem, encenado por Palmira Bastos, atinge um êxito retumbante.

Trabalha de novo no cinema, protagonizando, em 1949, “A Morgadinha dos Canaviais” e “Ribatejo”.

Volta aos palcos em 1950, com a comédia “Ninotchka”, de Melchior Lengyel, contracenando com Igrejas Caeiro, Maria Matos e Vasco Santana.

Do seu ingresso em 1951 na Companhia do Teatro Ginásio, salienta-se a peça, “A Loja da Esquina”, de Edward Percy.

Passa pelo Teatro da Trindade e depois retira-se por quatro anos da actividade teatral. A sua re-apariçao dá-se em 1956 no Teatro Avenida com a peça “Joana D' Arc”, de Jean Anouilh. Multidões perfilam-se pela Avenida da Liberdade, desejosas de obter um bilhete para ver Eunice, aclamada pela crítica como genial.

Em 1957, depois da peça “A Desconhecida”, de Pirandello, ingressa, juntamente com outros autores famosos, no Teatro Nacional Popular onde interpreta Shakespeare “Noite de Reis”, de Shakespeare, “Um Serão nas Laranjeiras”, de Júlio Dantas e “Pássaros das Asas Cortadas”, de Luiz Francisco Rebello.

Nos anos 60, passa para a comédia na Companhia de Teatro Alegre, ao lado de nomes como António Silva ou Henrique Santana. No Teatro Monumental fez “O Milagre de Anna Sullivan”, de William Gibson que lhe grangeou, em 1963, o Prémio de Melhor Actriz do SNI ex-aequo com Laura Alves .

Começa a aparecer com regularidade na televisão em peças repetidas por desejo expresso do público, como “O Pomar das Cerejeiras”, de Anton Tcheckov, “A Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas Filho, “Recompensa”, de Ramada Curto, “Os Anjos não Dormem”, de Armando Vieira Pinto, ou séries como “Cenas da Vida de uma Actriz”, doze episódios de Costa Ferreira.

Em 1965, quando Raúl Solnado funda a Companhia Portuguesa de Comediantes (CPC), no recém inaugurado Teatro Villaret, Eunice recebe o maior salário até aí pago a uma actriz dramática: 30 contos mensais. A peça de estreia é “O Homem que Fazia Chover”, de Richard Nash, encenado por Alain Oulman. Seguiram-se interpretações de Tenessee Williams e Bernardo Santareno.

Regressa ao Teatro Variedades e ao Teatro Experimental de Cascais e em 1970 funda a Companhia Somos Dois, com a qual faz uma longa tournée por Angola e Moçambique com a peça “Dois num Baloiço”, de William Gibson. Em seguida, estreia-se na encenação com “A Voz Humana”, de Jean Cocteau.

Em 1971 volta ao palco do Teatro Nacional para, ao lado de João Perry, fazer “O Duelo”, de Bernardo Santareno. No mesmo ano integra uma nova formação artística no Teatro São Luiz onde interpreta José Régio. Com a proibição pela censura, a poucas horas da estreia, de “A Mãe”, de Stanislaw Wiktiewicz, em que Eunice era a protagonista, o director da companhia, Luiz Francisco Rebello, demite-se e cessa a actividade desse conjunto que augurava grande êxito.

Dedica-se, então, à divulgação de poetas que ama, quer em disco, quer em recitais, dando voz a Florbela Espanca ou António Nobre.

Volta ao teatro para interpretar “As Criadas”, de Jean Genet. Integrada no Teatro Experimental de Cascais faz uma longa tournée por África, onde se contam espectáculos como “A Maluquinha de Arroios”, de André Brum.

O seu regresso aos palcos portugueses dá-se em 1978, integrada na companhia do reaberto Teatro Nacional D. Maria II, onde viverá êxitos enormes, interpretando peças de Donald Coburn, John Murray, Bertolt Brecht, Hermann Broch, Athol Fuggard, Eurípedes, entre outros.

Aparecerá de novo no cinema, em vários filmes, tendo uma interpretação magnífica em “Manhã Submersa”, de Lauro António (1980) e Tempos Difíceis, de João Botelho (1987).

Após a participação na revista “Passa por mim no Rossio”, de Filipe La Féria (1992), volta à televisão na telenovela “A Banqueira do Povo”, de Walter Avancini (1993).

Em 1991, celebraram-se os seus 50 anos de Teatro, com uma exposição no Museu Nacional do Teatro, sendo Eunice condecorada, em cena aberta, no palco do Teatro Nacional, pelo Presidente da República.

“A Maçon” (1997), escrito pela romancista Lídia Jorge propositadamente para Eunice, e “A Casa do Lago” (2001), de Ernest Thompson, são duas das suas mais recentes participações nos palcos.

Em 2006 representou pela primeira vez na casa a que deu nome, o Auditório Municipal Eunice Muñoz, em Oeiras, com a peça “Miss Daisy”, seguindo-se-lhe, em 2007, “Dúvida”, de John Patrick Shanley, no Teatro Maria Matos.

Em Maio de 2008 é agraciada com o Globo de Ouro de Mérito e Excelência.

Em 2009 regressa ao Teatro Nacional D. Maria II com a peça “O Ano do Pensamento Mágico”, de Joan Didion.

Em 2011 volta à cena com "O Comboio da Madrugada", de Tennessee Williams, sob a encenação do mestre Carlos Avilez, no Teatro Experimental de Cascais.


Eunice Muñoz é uma actriz portuguesa de referência do teatro português e considerada em Portugal uma das suas melhores de todos os tempos.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Metade - Oswaldo Montenegro

Há uns tempos atrás um amigo brasileiro enviou-me um poema de Oswaldo Montenegro, autor cujo nome já conhecia mas de quem sabia muito pouco.

A beleza do poema e a ânsia de saber tudo o que se relacione com a Lusofonia, levaram-me a procurar conhecê-lo melhor e deste modo descobri a sua rica e interessante obra.


Assim, deixo-vos aqui uma biografia muito resumida de Oswaldo Montenegro e um vídeo onde o poema “Metade” é declamado pelo seu próprio autor.


Segundo esse meu amigo brasileiro, Oswaldo “fala de amor com a alma”!…


Espero que gostem tanto como eu gostei!...

Obrigada João!...
Oswaldo Viveiros Montenegro nasceu em 15 de Março de 1956, no Rio de Janeiro. É um músico brasileiro que também compõe trilhas sonoras para peças teatrais, ballet, cinema e televisão.

Oswaldo é um caso excepcional de precocidade musical. Sem nunca ter estudado música regularmente, começou desde a tenra infância a ser influenciado por ela. Primeiro, na casa de seus pais no Rio de Janeiro, por sua mãe que tocava piano e por seu pai que tocava violão e cantava. Depois, a mudança aos 7 anos para São João del-Rei, em de Minas Gerais, cidade poética e boémia, onde as serestas aconteciam todas as noites e as pessoas juntavam os amigos em casa para passar as noites tocando e cantando, foi decisiva para a sua futura vida musical. Ao mesmo tempo, Oswaldo foi atraído pela a música barroca das igrejas. Nesta época teve aulas de violão com um dos seresteiros da cidade e compôs a sua primeira canção, “Lenheiro”, nome do rio que banha São João del-Rei. Venceu um festival de música com apenas 13 anos, no Rio de Janeiro, onde voltou a morar.

A decisão de se tornar um músico profissional veio com a mudança para Brasília, em 1971, onde começou a ter contacto com festivais e grupos de teatro e de dança estudantis. Fez os seus primeiros shows e aos 17 anos tomou a decisão definitiva de viver da e com a música.

Com 25 anos de carreira, Oswaldo Montenegro possui 32 CDs gravados, sendo 3 de Ouro e 1 de Platina.

É autor de diversas trilhas para teatro (“Cândido”, “O Sapatinho de Cristal”, “Brida”, entre outras), de peças musicais com recordes de bilheteria (“A Dança dos Signos” e “Noturno”, em cartaz respectivamente desde 1983 e 1992), de trilhas para cinema e televisão (“O Rato”, “O Farol”), de roteiros e trilhas para ballet (“Áurea”, “Paralelo 15”, “Telas”, etc.). Tem composições gravadas por grandes nomes como: Ney Matogrosso, Gonzaguinha, Zizi Possi, Altemar Dutra, Glória Pires, Lucinha Lins, entre muitos outros. Em 1994 lança o seu primeiro livro – “O Vale Encantado” – um livro infantil, indicado pelo Ministério da Educação para ser adoptado nas escolas de 1º grau. O vídeo homónimo é gravado e lançado em 1997.

Mais recentemente, em 2004, lançou simultaneamente dois CDs: “Letras Brasileiras 2” e “Aldeia dos Ventos”; em 2005 lança o CD e DVD “Oswaldo Montenegro - 25 Anos de História”; em 2006, no Canal Brasil, lança o programa “Letras Brasileiras” e monta no Rio de Janeiro a peça “Tipos”; em 2007 lança o DVD “A Partir de Agora”; em 2008 um novo CD e DVD “Intimidade”; em 2009 dedica-se à formação de um grupo para montagens de musicais, onde reúne cantores, músicos e actores e actrizes famosos, estreia o musical “Filhos do Brasil” no Teatro do Jockey (RJ) e grava em São Paulo o seu terceiro DVD, “Quebra Cabeça Elétrico”; em 2010 estreia no Festival de Recife a sua longa-metragem "Léo e Bia" e lança o CD "Canções de Amor".

Para saber mais de Oswaldo Montenegro vale a pena uma visita ao seu Web Site: http://www.oswaldomontenegro.com.br/




METADE

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que triste…

Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
Mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas,
Como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço,
Mas a outra metade é o que calo.
.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz
que eu mereço.

Que essa tensão
que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste,
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
Que eu me lembro ter dado na infância.

Por que metade de mim
é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
Para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.

Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
Mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.

Porque metade de mim é amor,
E a outra metade…
também.


sábado, 31 de julho de 2010

Até sempre, António Feio!...

(06-12-1954 / 29-07-2010)

Vítima de cancro no pâncreas, morreu o actor António Feio. O seu corpo está em câmara ardente no Palácio Galveias, junto ao Campo
Pequeno, em Lisboa. O funeral realiza-se este sábado às 16 horas para o Cemitério dos Olivais.

"Depois de ano e meio a lutar contra o cancro no pâncreas, António Feio morreu perto da meia-noite, no Hospital da Luz, em Lisboa, onde estava internado desde quarta-feira.

Aos 55 anos, o actor deixa um percurso memorável no teatro, em particular na comédia, e com presenças marcantes também na televisão. A sua personagem mais famosa será talvez ‘Toni’, da peça ‘A Conversa da Treta’, que partilhou ao lado de José Pedro Gomes, companheiro de diversas investidas na comédia. A dupla era imbatível na análise às qualidades e defeitos de se ser português.

Nascido em Lourenço Marques a 6 de Dezembro de 1954, mudou-se para Lisboa aos sete anos e a família instala-se em Carcavelos.

Ainda quando estava no Liceu de Nova Oeiras, a mãe, Ester, começa a ensaiar uma peça (‘A Casa de Bernarda de Alba’, de Garcia Lorca) no Teatro Experimental de Cascais. Feio acaba por aceitar o convite de Carlos Avilez para fazer a peça ‘O Mar’, de Miguel Torga, que se estreia em 1966.

A partir daí, entra em diversas peças de teatro na televisão, folhetins na rádio, publicidade e filmes.

Em 1969, regressa a Lourenço Marques. Continua os estudos, no Liceu Salazar, e faz uma digressão por Moçambique com a companhia Laura Alves, com a peça ‘Comprador de Horas’.

Chegou a estudar para ser desenhador, mas continua ligado ao teatro ao longo da década de 70. Acaba por se tornar conhecido de toda a gente, graças à sua personagem de toxicodependente na segunda telenovela portuguesa, ‘Origens’.

Quanto ao percurso nos palcos, o seu currículo inclui o Teatro Popular-Companhia Nacional I, o Teatro São Luiz, o Teatro Adoque, o Teatro ABC, a Casa da Comédia, o Centro de Arte Moderna, o Teatro Aberto, o Teatro Variedades, o Teatro Nacional D. Maria II e muitos outros grupos e projectos pontuais.

Faz muitas traduções e algumas das suas dobragens para televisão tornaram-se famosas.

Começa a encenar e o primeiro espectáculo é ‘Pequeno Rebanho Não Desesperes’, na Casa da Comédia. Segue-se ‘Vincent’, numa galeria de arte nas Amoreiras e ‘O Verdadeiro Oeste’, em Benfica.

O arranque da dupla com José Pedro Gomes surge no início da década de 90, como actor, em ‘Inox-Take 5’.

Começa a dar aulas no Centro Cultural de Benfica e forma com vários alunos alguns grupos: “O Esquerda Baixa” e o “Pano de Ferro”, e com eles faz alguns espectáculos. A dupla assinou uma série de espectáculos que foram um sucesso sempre a crescer: ‘Conversa da Treta’, ‘O Que Diz Molero’, ‘Arte’, ‘Pop Corn’, ‘Jantar de Idiotas’, ‘O Chato’, ‘2 Amores’.

O facto de ‘Conversa da Treta’ ter chegado à televisão e ao cinema, tornou o rosto de Feio e de José Pedro Gomes um modelo da nova comédia popular.

Já doente, terminou a carreira de ‘A Verdadeira Treta’, como actor, e assinou duas encenações: ‘Vai-se Andando’ e uma versão de ‘Auto da Índia’, de Gil Vicente.

A 27 de Março deste ano, Dia Mundial do Teatro, foi distinguido por Cavaco Silva e passou a comendador da ordem de Infante D. Henrique. Visivelmente emocionado na cerimónia, que decorreu no Museu dos Coches, desabafou: “O teatro, para nós, é e será sempre uma festa.” António Feio viveu a fazer os outros felizes."

(In: Correio da Manhã, 30-7-2010)

O trabalho era para ele, também, "uma válvula de escape".

Foi aos 11 anos que pisou pela primeira vez um palco de teatro e até ao fim afirmou: "É o que gosto de fazer, não sei fazer mais nada."

Apesar da doença que o devastava há mais de um ano, mesmo nas últimas semanas de vida, António Feio não deixou de ter um olhar crítico sobre a sociedade, como demonstra a sua última mensagem na sua página do Facebook, no dia 17: "Esqueçam a minha doença! Parem para pensar! Eu sou português, agora já sou Comendador, mesmo que não fosse (LOL), devo, gostava e devia de-fender a imagem de Portugal tanto cá como no mundo... mas não consigo! Será que não há ninguém que saiba gerir este País com seriedade, competência, rigor financeiro, justiça e respeito por todos nós?"

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Amália Rodrigues - A Raínha do Fado

(01-07-1920 / 06-10-1999)

Faz hoje 10 anos que nos deixou para sempre a Rainha do Fado, aquela que levou o nome de Portugal, a cultura portuguesa, a língua de Camões e o Fado a todos os cantos do mundo – Amália Rodrigues.

Como forma de a homenagear e a recordar neste dia, tentaremos resumir a sua extensa biografia, o que, diga-se desde já, não é obra fácil!...

A infância e a juventude

Amália da Piedade Rodrigues, filha de pais naturais da Beira Baixa, terá nascido, segundo o seu assento de nascimento, no dia 23 de Julho de 1920, em Lisboa, na freguesia da Pena. Amália pretendia, no entanto, que o seu aniversário fosse celebrado a 1 de Julho ("no tempo das cerejas"), dizia: “talvez por ser essa a altura do mês em que havia dinheiro para me comprarem os presentes”.

Os seus pais, por dificuldades de subsistência, regressam para a Beira Baixa deixando Amália, a quinta de nove filhos, em Lisboa a cargo dos avós maternos.

Cedo se revela a sua faceta de cantora. Amália era muito tímida, mas começa a cantar tangos de Carlos Gardel e canções populares que ouvia, a pedido do avô e dos vizinhos.

Aos 9 anos, a avó manda-a frequentar a Escola Primária da Tapada da Ajuda. É numa festa da escola que Amália canta pela primeira vez em público. Porém, devido a dificuldades económicas, é obrigada, aos 12 anos, a interromper a frequência da escola.

Trabalha então como bordadeira, engomadeira e depois como tarefeira nas fábricas de bolos da Pampulha, em Lisboa.

Aos 14 anos decide ir viver com os pais, que regressaram entretanto a Lisboa, e passa a viver na zona operária junto ao Tejo.

Aos 15 anos vai vender fruta, juntamente com a mãe e a irmã Celeste (mais tarde outra fadista de renome), para a zona do Cais da Rocha, e torna-se notada devido ao especialíssimo timbre da sua voz.

Nas festividades de Santo António de Lisboa, em 1936, integra a Marcha Popular de Alcântara, depois dos seus responsáveis a terem ouvido cantar na rua. Canta como solista o “Fado de Alcântara”, ficando as marchas populares para sempre no seu reportório.

É em 1939 que se estreia como fadista profissional no “Retiro da Severa”, a casa de fados mais importante da época, a par com grande nomes do fado como Armandinho, Jaime Santos, José Marques, Santos Moreira, Abel Negrão e Alberto Correia. Interpreta três fados.

Conhece nessa altura o seu futuro marido, Francisco da Cruz, um guitarrista amador, com quem casará em 1940, casamento que apenas dura dois anos.

A carreira

Alcança grande êxito no Retiro da Severa e o seu sucesso espalha-se por toda a Lisboa, tornando-se a vedeta do fado com uma rapidez notável.

Passa a actuar também no Solar da Alegria, no Café Mondego e no Café Luso, como artista exclusiva e já com reportório próprio. Ao tornar-se o nome mais conhecido de todos os cantores de fado, faz com que por onde actue as lotações se esgotem. Em poucos meses atinge tal reconhecimento e popularidade que o seu cachet é o maior até então pago a fadistas.

Estreia-se no teatro de revista em 1940, no Teatro Maria Vitória, como atracção convidada da peça “Ora Vai Tu”. É aí que Amália inventa a fadista vestida de negro e com xaile negro. Muitas outras estreias em revistas se seguem, onde canta alguns dos fados que virão a ser alguns dos seus grandes sucessos.

No meio teatral que encontra o compositor Frederico Valério que, compreendendo toda a beleza da sua voz, virá a compor-lhe muitos dos seus fados de grande êxito.

Em 1943, após o seu divórcio, actua pela primeira vez fora de Portugal. A convite do embaixador Pedro Teotónio Pereira canta em Madrid. Aí assiste a grandes espectáculos de flamenco, música com a qual se identifica. É a esta viagem que Amália atribuía o seu prazer em cantar canções espanholas e flamenco.

Em 1944 consegue um papel proeminente, ao lado de Hermínia Silva, na opereta “Rosa Cantadeira”, onde interpreta o “Fado do Ciúme” de Frederico Valério.
Em Setembro do mesmo ano, chega ao Rio de Janeiro acompanhada pelo maestro Fernando de Freitas para actuar no Casino Copacabana. Aos 24 anos Amália tem já um espectáculo concebido em exclusivo para ela. A recepção é de tal forma entusiástica que o seu contrato inicial de 4 semanas se prolongará por 4 meses. É convidada a repetir a tournée, acompanhada por bailarinos e músicos.

É no Rio de Janeiro que Frederico Valério compõe um dos mais famosos fados de todos os tempos: “Ai Mouraria”, estreado no Teatro República.

É também no Brasil que Amália grava os primeiros discos de 78 rotações, que serão vendidos em vários países, motivando grande interesse das companhias de Hollywood.

Em 1947 estreia-se no cinema com o filme “Capas Negras”, o filme mais visto em Portugal até então, ficando 22 semanas em exibição. Um segundo filme, do mesmo ano, é “Fado, História de uma Cantadeira”, cuja interpretação lhe valeu o Prémio SNI para a melhor actriz de cinema.

Amália é apoiada por artistas nacionalistas como Almada Negreiros e António Ferro. É este que, em 1949, a convida a cantar pela primeira vez em Paris no Chez Carrère e em Londres no Ritz, em festas do departamento de Turismo que o próprio artista organiza.

A internacionalização de Amália aumenta com a participação, em 1950, nos espectáculos do Plano Marshall, o plano de apoio dos EUA à Europa do pós-guerra, em que participam os mais importantes artistas de cada país. O êxito repete-se por Trieste, Berna, Paris, Berlim e Dublin. É durante um espectáculo nesta cidade, onde canta a canção Coimbra que, atentamente escutada pela cantora francesa Yvette Giraud, esta a virá a popularizar em todo o mundo como “Avril au Portugal”. Em Roma, Amália actua no Teatro Argentina, sendo a única artista ligeira num espectáculo em que figuram os mais famosos cantores da chamada música clássica.

Em 1951 estreia “Vendaval Maravilhoso”, um filme de Leitão de Barros e um dos preferidos de Amália entre aqueles em que participou. Faz neste mesmo ano uma digressão por África, cantando em Moçambique, Angola e Congo Belga.

Em 1952 canta em Nova Iorque, onde ficou 14 semanas em cartaz e faz as primeiras gravações nos estúdios da EMI, em Londres.
Em 1953 Amália torna-se na primeira artista portuguesa a actuar na televisão americana no famoso programa Coke Time with Eddie Fisher. Canta nesse mesmo ano em Genebra, Lausana e Madrid.
É de 1954 também o seu primeiro álbum, “Amália Rodrigues Sings Fado From Portugal And Flamenco From Spain”, publicado nos EUA pela Angel Records.


No ano 1955 participou no filme “Os Amantes do Tejo”, de Henri Verneuil, onde interpreta a “Canção do Mar” e “Barco Negro”. Filma no México “Musica de Siempre” com Edith Piaf.
A 10 de Abril de 1956 estreou-se no famoso Olympia, de Paris, numa das festas de despedida de Josephine Baker. Começa a cantar em francês e Charles Aznavour escreve para ela “Aie, Mourrir pour Toi”.

Em Novembro de 1958 estreia-se na televisão portuguesa no papel principal da peça “O Céu da Minha Rua”, adaptada de uma peça de Romeu Correia.

É nesta época que Amália canta os grandes poetas da língua portuguesa, Camões, Bocage, além dos poetas que escrevem para ela, Pedro Homem de Mello, David Mourão Ferreira, Ary dos Santos, Manuel Alegre, Alexandre O’Neill. Conhece também Alain Oulman que lhe compõe várias músicas.

O seu fado de Peniche é proibido por ser considerado um hino aos presos políticos que se encontravam presos em Peniche. Amália escolhe para cantar um poema de Pedro Homem de Mello, “Povo que lavas no rio” que ganha também uma dimensão política.

Em 1961 confirmam-se os boatos que desde há muito andam no ar, Amália casa-se no Rio de Janeiro com o engenheiro César Seabra e anuncia que vai abandonar a carreira artística passando a viver no Brasil. Um ano depois, contudo, Amália regressa a Lisboa.

Em 1963, em Beirute, é tal o seu prestígio que a convidam a acompanhar com os seus fados uma Missa de Acção de Graças pela independência do Líbano. E irá continuar sempre a voltar a vários países que não se cansam de a reclamar.

Em 1965, Amália atinge a sua melhor interpretação no cinema em “As Ilhas Encantadas”, filme baseado numa novela de Herman Melville. Neste filme, diferente de todos os outros da sua carreira, Amália pela primeira vez não canta. Volta a receber o prémio de melhor actriz e no ano seguinte aparece no filme francês “Via Macau”.

Em 1966 é editado o primeiro disco em que recria o folclore, a que mais dois se seguirão. Com uma grande orquestra sinfónica, actua no Lincoln Center, em Nova Iorque, e no Hollywood Bowl, em Los Angeles. Canta em França, Israel, Brasil, África do Sul, Angola e Moçambique. Neste mesmo ano, Amália gravou “Concerto de Aranjuez”, com uma letra em francês, e “Vou Dar De Beber À Dor”, de um compositor até então desconhecido, Alberto Janes, que se tornará num dos maiores êxitos de Amália, com mais de 100 mil cópias vendidas.

Em 1967, em Cannes, recebe das mãos do actor Anthony Quinn, o prémio MIDEM (Disco de Ouro), destinado a premiar o artista que mais discos vende no seu país, proeza só alcançada pelos Beatles. Amália voltará a receber este prémio em 1968 e 1969.

Em 1969 canta na União Soviética e em Janeiro de 1970, Amália parte para Roma para actuar no Teatro Sistina. O sucesso foi tal que o fenómeno "Amália" se espalha por Itália. Começava então "La Folia per La Rodrigues". Amália canta pela primeira vez em Tóquio e no Japão que, apesar de tão longínquo e com uma cultura tão diferente, se rende ao seu fascínio. Desde então sucedem-se outras tournées pelo Japão abrangendo várias cidades. Todos os seus discos são editados nesse país, que com ela tanto se identifica. Era frequente, quando Amália partia para o Japão, todos os seus espectáculos estarem já esgotados. Amália lançou, deste modo, uma verdadeira ponte cultural entre Portugal e o Japão.

Em 1972 estreia-se no Canecão do Rio de Janeiro com “Um Amor de Amália”, espectáculo onde, pela primeira vez, Amália canta e conta histórias da sua vida. Tal é o sucesso que o show é repetido no ano seguinte. Neste espectáculo Amália é acompanhada, para além da guitarra e da viola, por uma orquestra e um coro.


Após o 25 de Abril

No dia seguinte ao 25 de Abril de 1974, Amália, devido a um contrato que tinha para actuar na televisão espanhola, parte para Madrid. Em Lisboa, a grande popularidade internacional de Amália fez com que de imediato circulassem boatos que estaria ligada ao regime deposto. Embora só ligeiramente prejudicando a sua carreira, estes boatos afectaram gravemente a sensibilidade da artista. Apesar dos boatos, Amália aparece logo de imediato no Coliseu dos Recreios onde 5 mil pessoas a aplaudem de pé, provando que o seu público nunca a abandonou. A partir dessa altura, faz as mais longas tournées por Portugal e o seu sucesso internacional continuou a aumentar fazendo tournées por todo mundo.
São-lhe também prestadas grandes homenagens, sendo condecorada com o grau de “Oficial da Ordem do Infante D. Henrique”, pelo então presidente da República Mário Soares. Em 1990, em França, depois de ter recebido a “Ordem das Artes e das Letras” recebe também, das mãos do presidente Mitterrand, a “Légion d'Honneur”.

Ao longo dos anos vê desaparecer o seu grande amigo e compositor Alain Oulman, o seu poeta David Mourão-Ferreira e o seu marido César Seabra, com quem era casada havia 36 anos.

Em 1997 é editado pela Valentim de Carvalho o seu último álbum, “Segredo”, com gravações inéditas realizadas entre 1965 e 1975. Amália publica um livro de poemas, “Versos”.

Em 1998 é-lhe feita uma homenagem nacional na Feira Mundial de Lisboa, na “Expo 98”.

A 6 de Outubro de 1999, Amália Rodrigues morre com 79 anos, pouco depois de regressar da sua casa de férias no litoral alentejano. No seu funeral centenas de milhares de lisboetas descem à rua para lhe prestar uma última homenagem.

Sepultada no Cemitério dos Prazeres, o seu corpo é, após grande pressão dos seus admiradores, posteriormente trasladado para o Panteão Nacional, em Lisboa, onde repousam as personalidades consideradas expoentes máxi
mos da nacionalidade portuguesa.

Amália Rodrigues representou Portugal em todo o mundo, de Lisboa ao Rio Janeiro, de Nova Iorque a Roma, de Tóquio à União Soviética, do México a Londres, de Madrid a Paris.

Ninguém como Amália propagou e difundiu de forma tão universal a cultura portuguesa, a língua portuguesa e o Fado.