quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Eu adoro voar

Já escondi um amor com medo de perdê-lo, já perdi um amor por escondê-lo. 
Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos. 
Já expulsei pessoas que amava de minha vida, já me arrependi por isso. 
Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem.
Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram.

Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância às pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto.
Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir.
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam.

Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.
Já fingi ser o que não sou para agradar uns, já fingi ser o que não sou para desagradar outros.

Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade... Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali".
Já cai inúmeras vezes achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.
Já liguei para quem não queria apenas para não ligar para quem realmente queria.

Já corri atrás de um carro, por ele levar embora, quem eu amava.
Já chamei pela mamãe no meio da noite fugindo de um pesadelo. Mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda.
Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram... Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim.

Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.

Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre! 
Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes.
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos. 
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: 
- E daí? Eu adoro voar!
(Clarice Lispector)

21 comentários:

  1. Linda Clarice. Bela escolha! abração,chica

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    1. Obrigada Chica pelas tuas palavras e presença sempre carinhosas e amigas.

      Adoro tudo o que escreveu Clarice Lispector. Uma mulher, uma personalidade que me encanta e seduz.

      Beijinhos

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  2. Olá, Tétis!

    Este texto deixou-me com pele de galinha! Toda arrepiada! Porque é lindo e verdadeiro, mas, essencialmente, porque me revi em algumas dessas situações.
    E, mais não posso nem consigo dizer...a não ser: Obrigada! A ti e à Clarice!

    Beijinhos.

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    1. Olá amiga Janita,

      Foi precisamente por me rever neste texto de Clarice Lispector que o escolhi para aqui o partilhar com os amigos. Aliás, esta escritora tem algo que me fascina e me seduz e por isso me delicio com tudo o que escreve.

      Obrigada pelo teu "obrigada" e pela forma amiga como sempre visitas o Farol e deixas palavras carinhosas nos teus comentários.

      Beijinhos

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    1. Olá Arnoldo,

      Obrigada pela visita e pelo comentário que nos deixaste.

      Beijinhos

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  4. Encantada de volver a saludaros y leeros, pero no encuentro el traductor.

    Un abrazo grande. María

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    1. Hola María

      O tradutor encontra-se na barra lateral esquerda, logo abaixo das "etiquetas".

      Gracias por tu amistad y cariño.

      Besitos

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  5. Olá, Tétis

    Ler Clarice é como ver-nos ao espelho. Tanta verdade neste texto.

    Obrigada

    Bj

    Olinda

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    1. Olá Olinda,

      É exactamente isso que sinto sempre que leio Clarice Lispector, um retrato do que sou, uma grande identificação comigo mesma.

      Obrigada também a ti pela visita e pela tua amizade.

      Beijinhos

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Olá Janita,

      Obrigada por teres deixado o teu endereço de e-mail. Irei responder-te por esse meio.

      Beijinhos

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  7. Muito bonito... essas visões sobre o amor. Este mundo queiramos, quer não, gira muito à volta do (des)amor.

    http://pesysapatos.blogspot.com/

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    1. Olá Jota Ene,

      Totalmente de acordo, amor e/ou (des)amor é o motor que faz este mundo girar...

      Obrigada pela tua visita.

      Beijinhos

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  8. A mi también me encanta volar y constantemente me empujan al precipicio para probar la fuerza de mis alas...

    Una linda entrada Tetis, sincera, abierta, leal con la propia naturaleza del ser que es en realidad la valía del ser humano, sin máscaras, abierta.

    Mi siempre abrazo, aunque en los últimos tiempos entre poco, estoy.

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    1. Hola amiga,

      É verdade, a toda a hora somos postos à prova, ou seja, somos empurrados para o precipício e é preciso termos muita força e muita coragem para não nos deixarmos afundar. Quantas vezes caímos e só a força das nossas asas conseguem reerguer-nos para continuarmos o nosso voo.

      Gracias por tu visita y por tu linda amistad.

      Besitos

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  9. Pois...todos nós temos alguns desses desvarios, de alguns tenho orgulho de outros nem tanto.
    Mas não serei empurrado de um penhasco, salto eu! :)

    Abraço grande

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    1. Olá Argos,

      Que todos nós temos alguns desses desvarios, é claro que sim, afinal somos humanos e por isso imperfeitos, se é que "desvario" é sinónimo de imperfeição, o que duvido...

      Quanto ao saltares do penhasco de livre e espontânea vontade, desculpa que te diga mas isso é um desvario de que não te deves mesmo orgulhar. Quanto a mim e desculpa que to diga, não será um desvario corajoso mas pelo contrário, um desvario bastante cobarde.

      Um grande abraço

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  10. Desculpa? Tétis lamento imenso que não tenhas entendido a minha mensagem. O meu comentário segue o texto que escolheste para aqui colocares. É uma ironia tendo em atenção as duas últimas linhas e se todo o conjunto tem duplo sentido, não percebo porque o penhasco não tem. Por isso repito que ninguém me empurraria!
    Quanto à covardia, depende do que entendes do seu significado. Sabes que existe por aí muita coragem que não é mais do que covardia disfarçada!

    Abraço grande

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    1. Também lamento imenso ter entendido mal o teu comentário, ou melhor, não tê-lo relacionado com o texto de Clarice Lispector mas apenas ter-me focado e interpretado à letra o que nele dizias. Mas e penso que me entenderás, o que comentaste fez soar uma campaínha na minha cabeça e lembrar-me de conversas anteriores e habituais dum passado ainda bem recente...

      Mas, como é hábito dizer-se: "já cá não está quem falou!..."

      Um grande abraço amigo

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