FESTA REDONDA, Décimas e Cantigas de Terreiro Oferecidas ao Povo da Ilha Terceira (1950)
Festa Redonda é o livro do poeta extasiado com a substância telúrica da sua terra natal. A força dos poemas coligidos nesta obra provém da literatura de transmissão oral, metamorfoseada em poesia individual e original pelo punho de um poeta que, na singeleza aristocrática do seu espírito criador, constrói a sua própria diversidade.
Não quero rir, que me cansa,
Nem chorar, que me faz pena:
Quero ter a alma limpa
Como quando era criança.
"Olhos pretos”, diz a moda:
Eu sei lá de que cores são!
São azuis se olhas para o mar;
Negros, se os poisas no chão.
Namorei-te pelos Bodos,
Deste uma fala a meu pai,
Casámos pelo SãNunca…
Oh meu Deus, onde isso vai.
NEM TODA A NOITE A VIDA (1953)
Livro de poemas publicado em 1953 onde está bem patente toda a poética universalizante e de significação insular de Vitorino Nemésio.
SILÊNCIO
Silêncio é peso de Deus
levantar a voz começa
A pôr um homem sozinho
Como o Morto numa essa
Só o poeta, calado
É como a espada dura
E o juízo formado.
Sua mão, no joelho,
Dá a medida pura
De um sonho muito velho.
Não dizer nada!
Ter fato de lã
E a mão nele, apanhada
A maçã
Da promessa...
Mão do meu tio antigo
Era essa, era essa
Que não trago comigo!
O PÃO E A CULPA (1955)
Eira
“Dar poesia sem rosas é custoso.
Quem aceita uma pedra por emblema?
Do chão calcado em que repouso
Juntos me vêm o pão e o poema.
Assim, espiga e sossego
Se debulham ao sol do mesmo dia.
Árido peito cego,
Que és eira, e eu não o sabia!”
O VERBO E A MORTE (1959)
Nomeio o mundo
Com medo de o perder nomeio o mundo,
Seus quantos e qualidades, seus objectos
E assim durmo sonoro no profundo
Poço de astros anónimos e quietos
Nomeei as coisas e fiquei contente
Prendi a frase ao texto do universo
Quem escuta ao meu peito ainda lá sente
Em cada pausa e pulsação, um verso
POESIA (1935-1940), publicado em 1961
Colectânea com os poemas escritos entre 1935 e 1940
O CAVALO ENCANTADO (1963)
Regresso
Ao coronel Sacadura Cavalo e cavaleiro o vento adornam Com uma pata e uma pluma; À tarde unidos tornam, Um estame de sangue numa rosa de espuma. Tanta pressa, para coisa nenhuma.
ANDAMENTO HOLANDÊS E POEMAS GRAVES (1964)
De Rembrandt a Van Gogh a tinta és tu
Em rosa de bateira e sol de vinho.
O tempo fez-se-me fome,
Mas levantas os braços-e é o moinho.
Como a corça na Haia plo rebento
E a ponte levadiça,
Vais em maneira, amor e movimento,
Vela da tarde, dique do meu sangue:
Afinal só um pouco de mulher
Que a palavra detém e águas cultivam.
[…]
Eu ceifava a manhã nos teus cabelos,
Contava-os um a um, canal abaixo,
E, deitado nos verbos que te evocam,
Feliz com um pintor que vende pouco,
Era holandês por ti...
Que, bem pensando,
O que eu cá sou, céus de Van Gogh, é louco!
ODE AO RIO, ABC DO RIO DE JANEIRO (1965)
Dedicado a Cecília Meireles e a outros seus amigos brasileiros, este livro é um conjunto de várias partes, formando 16 poemas dentro do poema, composto de 667 versos. Refere-se aos poemas épicos de Virgilio e de Camões, aos bairros de Botafogo e Copacabana, a acidentes geográficos, e a figuras históricas que constituíram a cidade.
VESPERAIS (1916-1918), publicado em 1966
Opúsculo comemorativo do cinquentenário da publicação do primeiro livro de Nemésio, Canto Matinal, é constituído por apenas dois sonetos: “Ti’ Cidade” e “Ano Bom”.
CANTO DE VÉSPERA (1966)
A Árvore do silêncio
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Se a nossa voz crescesse, onde era a árvore?
Em que pontas, a corola do silêncio?
Coração já cansado, és a raiz:
Uma ave te passe a outro país.
Coisas de terra são palavra.
Semeia o que calou.
Não faz sentido quem lavra
Se o não colhe do que amou.
Assim, sílaba e folha, porque não
Num só ramo levá-las
com a graça e o redondo de uma mão?
(Tu não te calas? Tu não te calas?!)
VIOLÃO DO MORRO (...) Seguido de Nove Romances da Bahia (1968)
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Publicado em 1968, “Violão do Morro” inclui, além de vários poemas e baladas, “Nove romances da Bahia”. Principia pela farsa do cais Mauá, uma peça cómica onde a imagem do Rio de Janeiro é vista como uma ligação entre Portugal e os portugueses.
LIMITE DE IDADE (1972)
Requiescat
Direi, pela noite, não ódio que tivesse
Nem detestar vida corpórea e ninhos de manha,
Mas meu alto cansaço, a tristeza de lá
Onde se sente o aqui traído, a falsa entranha.
Direi - não "fora!" ao mundo que me cinge
(Outro onde o sei e como chegaria?),
Mas dos anos de ver, pensar durando
Retiro uma moeda de nada,
Fruto do meu suor, e pago o pão que se me deve,
Compro o silêncio que se me deve
Por ter cumprido a palavra,
Trabalhado nas palavras,
E por elas merecido a terra leve.
POEMAS BRASILEIROS (1972)
Romance do emigrante
Os meus olhos emigraram
Na barca Flor das Marés,
Minha Mãe ficou chorando,
Meu Pai, de pobre, morreu;
Lá no varejo da Rampa
Aquele moleque sou eu.
[…]
E em verso eu cate o piolho de oiro
Que de saudade se nutria!
Faz cafuné na minha cabeça,
Minha Bahia!
Faz cafuné!
Que bom que foi meu tio José!
SAPATEIA AÇORIANA (1976)
A caminho do Corvo
A minha vida está velha
Mas eu sou novo até aos dentes.
Bendito seja o deus do encontro,
O mar que nos criou
Na sede da verdade,
A moça que o Canal tocou com seus fantasmas
E se deu de repente a mim como uma mãe,
Pois fica-se sabendo
Que da espuma do mar sai gente e amor também.
Bendita a Milha, o espaço ardente,
E a mão cerrada Contra a vida esmagada.
Abençoemos o impossível
E que o silêncio bem ouvido
Seja por mim no amor de alguém.
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FICÇÃO
- Paço do Milhafre (contos), Coimbra, 1924 (reelaborado e publicado sob o título de O Mistério de paço do Milhafre, em 1949)
- Varanda de Pilatos, 1926 - A casa Fechada (novelas), 1937
- Mau Tempo no Canal, 1944. Romance galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros
BIOGRAFIA, ENSAIO e CRÍTICA
- "Sob os Signos de agora Temas Portugueses e Brasileiros". Coimbra, 1932
- "A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio (1810 1832)". Lisboa,1934
- "Isabel Aragão, Rainha Santa", Coimbra, 1936 - "Relações Francesas do Romantismo Português". Coimbra, 1936
- "Études Portugais Gil Vicente. Herculano. Antero de Quental, le Symbolisme". Lisboa, 1938
- "Gil Vicente, Floresta de Enganos". Lisboa, 1941
- "Vida de Bocage". Lisboa, 1943 - "Moniz Barreto Ensaios de Crítica". Lisboa, 1944 - "Pequena Antologia da Poesia Brasileira nos Séculos XVII e XVIII". Coimbra, 1944
- "Ondas Médias Biografia e Literatura". Lisboa, 1945
- "Perfil de Adolfo Coelho". Lisboa. 1948
- "Destino de Gomes Leal Poesias Escolhidas". Lisboa, 1952
- "Portugal e o Brasil no Processo da História Universal". Rio de Janeiro, 1952
- "Perfil do Prof. Sousa Júnior". Porto, 1953
- "O Campo de São Paulo A Companhia de Jesus e o Plano Português do Brasil (1528 1563)". Lisboa, 1954
- "Vida e Obra do Infante D. Henrique". Lisboa, 1959
- "Problemas Universitários Luso Brasileiros". Lisboa, 1955
- "Conhecimento da Poesia". Bahia, 1958, e Lisboa, 1970
- "Almirantado e Portos de Quatrocentos". Lisboa, 1961
- "Romance, Existência e Visão do Mundo". Lisboa, 1964
- "Elogio Histórico de Júlio Dantas". Lisboa, 1965
- "La Génération Portugaise de 1870". Paris, 1971
- "Quase Que os Vi Viver", Lisboa, 1985
CRÓNICA e VIAGENS
- "O Segredo de Ouro Preto e Outros Caminhos", 1954
- "Corsário das Ilhas Notas de Viagens às Ilhas dos Açores". Lisboa, 1956
- "O Retrato do Semeador", 1958
- "Viagens ao Pé da Porta". Lisboa, 1965
- "Caatinga e Terra Caída Viagens no Nordeste e no Amazonas". Lisboa, 1968
- "Jornal do Observador", (1974)
- "Era do Átomo Crise do Homem". Lisboa, 1976
TEATRO
- "Amor de nunca mais”, Angra do Heroísmo, 1920
TRADUÇÕES