Esta é uma simples e singela homenagem
a José Afonso, figura incontornável na história da música portuguesa e que, se
infelizmente não nos tivesse deixado tão cedo, teria completado no passado dia
2 o seu 90º aniversário.
"No
panorama artístico, social, político, cultural, não foi, José Afonso, um homem
qualquer. Pertencerá sem dúvida aquele número reduzido dos que, pelas suas
obras, se vão “da lei da morte libertando”.
Para
ser grande bastava-lhe a voz. Límpida e jovem voz que ecoou nas escadarias da
velha Academia de Coimbra. Voz madura de Maio, voz de um povo sofrido, voz de
denúncia, voz de inquietude. Voz sinete da revolução de Abril!
Para
ser grande bastavam-lhe as palavras. Palavras de reflexão, de um pensamento
atento e generoso, palavras em poemas, musicados ou não. Palavras irónicas,
duras ou doces, enigmáticas ou mordazes. Palavras cheias. Cortantes, moendo,
denunciando. Trazendo o conforto que nos faz falta, sendo alarme e esperança.
Para
ser grande bastava-lhe a música, o trinado da guitarra e da viola, o
som dos ferrinhos e do adufe, dos instrumentos em harmonia ou
desafiando-se. Bastava a recuperação das raízes musicais, as influências das
terras por onde andou, das Beiras ao Algarve, de África ao Alentejo, todas as
sonoridades que o seu ser andarilho foi captando para nos dar canções de grande
riqueza musical, inovação e originalidade.
Para
ser grande bastava-lhe ser homem.
Um
homem inteiro, vara aprumada, ainda que por dentro vergasse na inquietude
própria de um ser desassossegado e sedento de verdade e justiça. Homem do lado
certo da história, da resistência junto a tantos outros, na
longa noite fascista. Irmão dos oprimidos, dos desterrados, das mulheres da
erva, dos homens que ardem por uma ideia. Fraterno, simples, independente! De
braços abertos numa mesa sempre posta, punhos cerrados quando havia
um camarada à sua espera.
Para
ser enorme bastou-lhe a utopia. Essa utopia presente na ondulação do seu canto,
na atitude perante a vida. Que outros agarraram e colocaram nas lides
clandestinas, nos canos das espingardas, nas escolas e fábricas, nos campos e
nas ruas. A utopia de construir a cidade de “gente igual por dentro e gente
igual por fora” onde o povo seja sempre aquele que mais ordena(...)"
Extracto de texto, publicado pela AJA
(Associação José Afonso), aquando do lançamento da Petição para a classificação
da obra de José Afonso de interesse nacional. Esta Petição, que contou com 11.400
assinaturas, foi entregue no Ministério da Cultura no passado dia 2 de Agosto,
data em que José Afonso completaria 90 anos.
Do
último concerto que deu no Coliseu de Lisboa, quatro anos antes de falecer (a
23 de Fevereiro de 1987) e já notoriamente debilitado, escolhemos a “Balada de
Outono”, cujo refrão soará como uma premonição a todos que na altura o
acompanharam:
Balada de Outono
Águas passadas do rio
Meu sono vazio
Não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar
Águas do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar
Uma homenagem muito bonita ao Zeca, que ficará para sempre nos nossos corações. Arrepio-me sempre que ouço a Balada de Outono…
ResponderEliminarUma boa semana.
Beijos.
Hermoso homenaje cariños.
ResponderEliminarTétis,
ResponderEliminargracias por compartir, aprendemos siempre mucho con tus post llenos de hermosura.
Beijos
Zeca, com a sua generosidade e tolerância, era uma porta aberta para quem dentro dela quisesse entrar. Numa atitude quase franciscana, manteve até ao derradeiro sopro de vida, a mesma fieldade aos seus ideais e valores utópicos, na sua incansável caminhada pela liberdade e justiça. Recordá-lo faz bem, transmite-nos muita esperança... M.Falcão
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