Tinha uma missão: Fotografar o seu “Amigo de Inverno”.
O que dormia escondido no canavial, o mais próximo possível
da margem, ficando à mercê dos predadores. Aquele que era sempre o último a
levantar voo, esforçando-se para seguir a formação e o último a pousar numa
rasante desequilibrada em que era difícil perceber se voava baixo ou se
procurava desesperadamente não mergulhar na água fria e escura.
Não seria tarefa fácil. O bando era assustadiço e ao
primeiro sinal de que alguma coisa perturbava o frágil equilíbrio,
desapareceria em gritos de alerta para não mais voltar.
Ele sabia que fotografar não era só carregar no botão no
momento certo. Era preciso estar concentrado e ver, não somente com os olhos.
“Ver” o frio que lhe
arrefecia o rosto e gelava as mãos. “Ver” a variação da brisa que lhe diria o
momento em que o bando se agitaria e acordaria. “Ver” a intensidade do cheiro a
penas húmidas e saber se estaria perto o suficiente para fotografar com nitidez
e longe o suficiente para não alertar o grupo. “Ver” o leve chapinar da água e
os sussurros dos líderes. E ver também, mas de forma menos fiável a degradação
da escala dos cinzentos da madrugada para o colorido da manhã.
Nesse momento ele era quase invisível, fazia parte da
natureza circundante, uma mancha silenciosa, um pouco mais escura na margem. Sentia
o bater do seu coração acelerado e a respiração rápida na contagem decrescente.
Faltava pouco, tão pouco.
A água agitou-se, as sombras moveram-se e quando
deu por si, já o bando tinha levantado voo descendo o rio. Piscou os olhos
tentando focar o olhar através da lente ampliadora e disparou várias vezes
procurando o último dos últimos, o seu Amigo!
Quando mais tarde revelou as fotos, viu o desapontamento no
rosto dos que o acompanharam na tarefa, viu o embaraço e ouviu o “sinto muito”. Olhou o resultado do seu esforço e não entendeu o desconforto dos outros.
As duas fotos:
Um rasto mais escuro no céu cinza
claro da alvorada.
Uma asa prateada no canto superior da fotografia, fugindo da
prisão do papel.
Sorriu e sentiu o sol da manhã.