“Não podia ser outra coisa, só podia ser atriz”, disse Eunice Muñoz quando celebrou os 70 anos de carreira, em 2011. A atriz morreu hoje aos 93 anos e ficará para sempre na história do teatro.
A atriz Eunice Muñoz morreu
hoje, no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, aos 93 anos.
No final dessa sessão, a que
assistiram o primeiro-ministro, António Costa, o presidente da Câmara Municipal
de Lisboa, Carlos Moedas, e a ministra da Cultura, Graça Fonseca, foi prestada
uma homenagem à atriz.
“Este teatro foi a minha casa
durante muito anos, fui feliz no palco, em tudo o que cá fiz”, afirmou então
Eunice Muñoz.
“Agradeço sobretudo a vocês, ao
público, que me acarinhou, que me aplaudiu desde que comecei, até agora que
comemoro os meus 80 anos de carreira”, salientou.
“O teatro precisa de nós, de nós no palco e de vocês que recebem o melhor que temos para dar”, acrescentou ainda Eunice Muñoz, concluindo que, “apesar dos dias estranhos e difíceis, o belo continua a existir”.
DO TEATRO À TELEVISÃO, A CARREIRA DA ATRIZ
“Vendaval”, de Virgínia Vitorino, foi a peça com que Eunice Muñoz iniciou a carreira, aos 13 anos, na então Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. O seu talento foi rapidamente reconhecido tendo entrado, pouco depois, para o grupo que então detinha a residência no Teatro Nacional.
Nascida a 30 de julho de 1928, na Amareleja, localidade do concelho de Moura, numa
família de atores, Eunice Muñoz recordava "a avó, que nunca saiu do Alentejo, mas era uma excelente atriz, e que [lhe] lia textos, quando criança de colo”, disse, em entrevista à agência Lusa."Não podia ser outra coisa, só podia ser atriz",
frisou Eunice Muñoz quando celebrou os 70 anos de carreira, em 2011. Ao longo
da carreira, a atriz apenas abandonou o teatro, “um grande amor" na sua
vida, entre os 23 e os 27 anos, para ser secretária de uma empresa onde o seu
primeiro marido trabalhava.
Filha e neta de atores de
teatro e de artistas de circo, ao longo da carreira Eunice Muñoz entrou em
perto de duas centenas de peças, trabalhou com cerca de uma centena de
companhias, segundo a base de dados do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa e, no cinema e na televisão, o seu nome
está associado a mais de oito dezenas de produções de ficção, entre filmes,
telenovelas e programas de comédia.
Os grandes atores da época, como Raul de Carvalho ou João Villaret reconheceram-lhe o talento, tal como Amélia Rey Colaço ou Palmira Bastos com quem, em 1943, contracenou, também no D. Maria II, em “Riquezas da sua avó”.
Um ano mais tarde, aos 16 anos, integrou o elenco de
“Labirinto”, de Manuel Pressler, e ainda no verão de 1944 interpretou a
primeira opereta – “João Ratão” –, ao lado de Estêvão Amarante.
Maria Lalande e Irene Isidro foram atrizes com quem trabalhou e
ao lado das quais obteve sucesso. Foi ainda dirigida por Maria Matos, em “A
Portuguesa”, de Carlos Vale.
Eunice Muñoz ingressou cedo no Conservatório Nacional de onde
saiu com 18 anos e uma média final de 18 valores.
A popularidade pode, porém, dizer-se que chegou à sua carreira
quando, no Teatro Variedades, faz parte do elenco de “Chuva de Filhos”, de
Margaret Mayo, ao lado de Vasco Santana e de Mirita Casimiro.
A estreia no cinema aconteceu em 1946 quando, pela mão de Leitão de Barros fez
“Camões”, papel com o qual venceu o prémio do SNI – Serviço Nacional de Informação, para a melhor atriz cinematográfica do ano.“Um homem do Ribatejo”, de Henrique Campos (1946), e “Os
vizinhos do rés-do-chão”, de Alejandro Perla (1947), são as peças que levou ao
teatro Variedades.
“Outono em flor”, de Júlio Dantas, em 1948, assinalou o regresso
da atriz ao Nacional, onde a seguir desempenhou “Espada de Fogo”, de Carlos
Selvagem, numa encenação de Palmira Bastos, que se revelou um êxito.
“A Morgadinha dos Canaviais”, de Caetano Bonuccio e Amadeu
Ferrari, adaptação do romance homónimo de Júlio Dinis, em 1949, marcou o seu
regresso ao cinema.
Em 1950 e 1951, duas grandes comédias celebrizadas por Ernst
Lubitsch, no cinema, são recriadas com êxito pela atriz: na primeira,
“Ninotchka”, de Melchior Lengyel, Eunice Muñoz toma o papel que fora de Greta
Garbo, ao lado de Igrejas Caeiro, Maria Matos e Vasco Santana; em “A loja da
esquina”, de Edward Percy, em 1951, a atriz integra a Companhia de Teatro
Gynásio, dirigida por António Pedro, para reviver em palco os mal entendidos
que juntaram James Stewart e Margaret Sullavan na tela.
Eunice Muñoz passou ainda pelo Teatro da Trindade mas retirou-se de cena, já mãe da primeira filha, para um interregno entre os 23 e os 27 anos.
Regressou aos palcos em 1955 para interpretar “Joana d´Arc”, de
Jean Anouilh, no Teatro Avenida, que constituiu um grande êxito. Dois anos
depois interpretou “A desaparecida”, de Pirandello, e, pouco depois, com Maria
Lalande, Isabel de Castro, Maria José, Ruy de Carvalho, Curado Ribeiro e
Fernando Gusmão, entrou para o Teatro Nacional Popular, sob a direcção de
Francisco Ribeiro (Ribeirinho), de quem assegura guardar “gratas e boas
memórias”.
“Noite de Reis”, de Shakespeare, “Um serão nas laranjeiras”, de
Júlio Dantas, ou “Pássaros de Asas Cortadas”, de Luiz Francisco Rebello, foram
algumas das peças em que foi dirigida por Ribeirinho.
Na década de 1960, entrou na comédia na Companhia de Teatro Alegre, ao Parque
Mayer, juntamente com António Silva e Henrique Santana.Monumental e Variedades foram teatros onde também representou,
após o que, em 1965, fundou, com Raul Solnado, a Companhia Portuguesa de
Comediantes, com sede no então recém inaugurado Tetaro Villaret.
Laura Alves, Virgílio Teixeira, Mimi Muñoz – sua mãe - eram
atores com quem contracenava ao mesmo tempo que ia pisando palcos de diferentes
salas. Em 1970 estreou-se na encenação com “A Voz Humana”, de Jean Cocteau.
Nos anos de 1970 integrou uma nova formação artística, no Teatro S. Luiz, mas a poucas horas da estreia de “A mãe”, de Stanislaw Wiktiewicz, a censura da ditadura proibiu a peça e o então diretor Luiz Francisco Rebello demitiu-se.
Passou então a dedicar-se à divulgação de poetas que ama,
regressando ao teatro para interpretar, com Glicínia Quartin, “As criadas”, de
Jean Genet, pela mão de Carlos Avilez, no Teatro Experimental de Cascais. Com
Avilez fará uma longa digressão por África, regressando aos palcos portugueses
apenas em 1978.
Peças de Donald Coburn, John Murray, Bertolt Brecht, Hermann
Broch, Athol Fuggard, Eurípedes, e encenadores como João Perry, João Lourenço
ou Filipe La Féria, em "Passa por Mim no Rossio" (1992), foram
algumas das pessoas com quem trabalhou no teatro.
Os filmes “Manhã Submersa”, de Lauro António (1980), e “Tempos Difíceis”, de João
Botelho (1987), fazem parte do seu currículo.Em 1991, quando comemorou 50 anos de carreira, Vítor Pavão dos
Santos, então diretor do Museu do teatro, organizou uma grande exposição sobre
a vida profissional de Eunice Muñoz. Na mesma altura foi condecorada pelo então
Presidente da República Mário Soares.
“A Banqueira do Povo”,
de Walter Avancini, em 1993, assinalou a sua estreia nas telenovelas.
“Miss Daisy”, encenada por Celso Cleto em 2006, e “O comboio da
madrugada”, de Tennessee Williams, dirigida este ano por Carlos Avilez, foram
algumas peças que representou nas últimas décadas.
Em 2011, em declarações à Lusa, Eunice Muñoz afirmou que se sentia uma atriz "profundamente roubada", como a geração a que pertenceu, por causa da censura anterior ao 25 de Abril de 1974, pois houve peças proibidas que nunca pôde representar.
Nesse ano a atriz abriu as celebrações dos seus 70 anos de
carreira com a peça "O Cerco a Leninegrado", do espanhol José Sanchis
Sinisterra, encenada por Celso Cleto, no auditório com o seu nome, em Oeiras,
nos arredores de Lisboa.
Na televisão, aceitou o desafio de Nicolau Breyner e participou nas séries cómicas
"Nicolau no país das maravilhas" e "Nico d'Obra". Em 1933 protagonizou “A Banqueira do Povo”, de Walter Avancini, seguindo-se outras telenovelas, entre as quais "Todo o Tempo do Mundo", "Porto dos Milagres", "Olhos de Água", "Sonhos Traídos", "Olhos nos Olhos", "Mar de Paixão". Em 2016 e 2017 fez parte do elenco de “A Impostora”.Eunice Munõz participou ainda na versão televisiva de
"Equador", romance de Miguel Sousa Tavares.
Em 2015, recebeu o Prémio Carreira da Academia Portuguesa
de Cinema e o TNDM produziu “74 Eunices - Homenagem a Eunice Muñoz”. A
Presidência da República distinguiu-a como Oficial da Ordem Militar de
Sant'Iago da Espada (1981), com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D.
Henrique (1991) e com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2011).
De resto, assegurava, ser "uma mulher como as outras":
"Mãe de seis filhos, com netos e bisnetos para os quais quer todo o
bem", conclui.
Adaptado de: https://mag.sapo.pt/