José Mário Branco (25 de Maio de 1942 - 19 de Novembro de 2019)
A manhã despertou cinzenta e o poeta morreu. José Mário
Branco, o músico, o produtor mas essencialmente um grande poeta, um grande
escrevedor de canções, partiu e deixou-nos um pouco mais pobres. Toda a sua
arte mas também toda a sua insubmissão, toda a sua inquietação, são
ingredientes fundamentais para a compreensão de uma boa parte da nossa história
contemporânea. Se alguma coisa José Mário Branco foi – e ele foi tantas coisas
- , ou seja, se pode ser classificado, é como poeta de uma ideia originária de
resistência. José Mário Branco resistiu a Salazar, resistiu às apropriações
culturais e políticas da sua obra, resistiu à normalização do regime político,
recusou comendas e prebendas, encontrou sempre um átomo de insatisfação social,
ao lado dos mais fracos e desprotegidos, dos deserdados do alegado progresso.
A sua luta foi Portugal e os portugueses, a igualdade e a
liberdade, a cultura e o conhecimento. E, aí, a sua inteligência artística
blindou sempre o que a sua obra tem de intervenção política, protegendo-a da
apropriação por sectarismos e fanatismos de ocasião. A forma como abraçou o
fado e se transformou no seu melhor produtor, através da influência discreta e
sempre de enorme sensibilidade da sua companheira de sempre, Manuela de
Freitas, é um exemplo acabado do seu espírito aberto, inquieto e ecuménico
(palavra estranha em José Mário Branco mas muito apropriada). José Mário Branco
é, por isso, património de todos os que amam a liberdade e sonham com uma
sociedade um pouco mais equilibrada, mais digna, mais justa, mais
redistributiva. E a sua inquietação, que vem de muito longe, vai perdurar por
muitos anos como motor de transformação individual e social. Bem hajas, grande
e inolvidável poeta e cantor!
(In: Sábado, Vida, Detalhe, Opinião, 19.11.2019)