Vivo
sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me
um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho
esperanças nem saudades. Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje —
tantas vezes e em tanto o contrário do que eu a desejara -, que posso presumir
da minha vida de amanhã senão que será o que não presumo, o que não quero, o
que me acontece de fora, até através da minha vontade? Nem tenho nada no meu
passado que relembre com o desejo inútil de o repetir. Nunca fui senão um
vestígio e um simulacro de mim. O meu passado é tudo quanto não consegui ser.
Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o
momento; passado este, há um virar de página e a história contínua, mas não o
texto.
In: "Livro do Desassossego"